Depois de atingir placar de seis votos a três, Corte adia conclusão do julgamento para quarta-feira
Está praticamente definido no Supremo Tribunal Federal (STF): não pagar ICMS declarado é crime, desde que comprovado o dolo (intenção). Porém, a chance de o empresário ter que cumprir pena atrás das grades, segundo advogados, é pequena.
Mas o condenado ficará sujeito a complicações que, dependendo do caso, poderão inviabilizar os negócios.
Ontem, os ministros retomaram o julgamento de um dos casos mais esperados do ano. No entanto, depois de o placar atingir seis votos a três, o presidente do STF, Dias Toffoli, decidiu pedir vista. O julgamento será retomado na quarta-feira da semana que vem.
Mais de 200 mil devedores poderão ser afetados pelo resultado só em São Paulo e Santa Catarina, segundo afirmou na sessão, iniciada anteontem, o defensor público do Estado de Santa Catarina, Thiago Yukio. Condenações por crime, de acordo com especialistas, podem dificultar os contratos com o poder público ou mesmo com outras companhias, atrapalhar a obtenção de crédito e até a concessão de visto para as viagens internacionais.
O tema é importante para as finanças dos Estados. O ICMS é o tributo mais sonegado do país. São R$ 91,5 bilhões por ano, segundo o relator da ação, ministro Luís Roberto Barroso. O Rio Grande do Sul, exemplificou, perde R$ 2 bilhões por ano.
Ele votou a favor da criminalização. Mas considerou “impossível” alguém ser efetivamente preso pelo crime de apropriação indébita tributária. Além da pena se limitar a dois anos, acrescentou, a punibilidade é extinta se o contribuinte quitar o tributo devido, mesmo depois do trânsito em julgado.
No Estado de Santa Catarina, onde o Ministério Público já aplica a criminalização, se comprova o dolo por meio de investigação. A denúncia de crime, então, é analisada pelo juiz. Após sentença e recursos, ainda que se fixe pena de dois anos, ela poderá ser substituída por restritiva de direitos, como multa ou prestação de serviços, segundo Giovanni Andrei Franzoni Gil, promotor de justiça de Santa Catarina. O empresário, porém, deixa de ser réu primário para novos crimes cometidos após o trânsito em julgado.
A empresa, afirma o promotor, ainda pode enfrentar dificuldades de contratar com o poder público, mas a condenação do empresário por crime tributário não gera automaticamente essa consequência. “No Estado, desconheço regra de compliance que impeça a contratação se o empresário não for mais réu primário.”
Advogados da área penal, contudo, afirmam que a decisão poderá trazer consequências graves. “Para qualquer pessoa honesta responder a uma ação penal e ser condenado é extremamente grave, independentemente de ser pena de privação de liberdade”, diz Sérgio Rosenthal, do escritório Rosenthal Advogados.
De acordo com o especialista, com as regras de compliance, cada vez mais comuns nas empresas e no poder público, há mais constrangimentos. “Existem empresas que não contratam com outras que têm empresário condenado pela prática de crime”, afirma. Ele ainda acrescenta que o empresário pode até ter dificuldade em conseguir visto, a depender do destino da viagem.
Com a decisão que se desenha poderão ser abertas investigações sobre ICMS declarado e não pago, de acordo com o advogado Pierpaolo Bottini, que representa a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) na ação. Segundo Bottini, se o empresário se tornar réu em ação penal, poderá sofrer consequências do ponto de vista civil e também dificuldade para conseguir crédito.
“Os efeitos reputacionais [da perda de primariedade] podem gerar dificuldades na concretização de alguns negócios”, afirma Rogério Taffarello, advogado da área penal empresarial do escritório Mattos Filho. Para ele, haverá insegurança no exercício de atividades empresariais. processo penal é muito penoso e gera estigmatização. A pessoa passa a ser vista como uma criminosa.” Segundo o advogado, há risco de prisão se o empresário for reincidente.
Ele cita o artigo 44, inciso 2º do Código Penal, que veda a substituição da pena para os casos de reincidência de crime doloso.
Velloso acredita que a decisão do Supremo, se confirmada, afetará em cheio os micro e pequenos empresários, que não têm a mesma estrutura de contingenciamento dos grandes. “O ICMS é declarado no ato da venda, mas não é pago no ato”, chama a atenção. “Será um tiro no pé do empreendedorismo.”
O tema é julgado no STF por meio de recurso contra decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que considerou crime o não recolhimento de ICMS declarado. No caso, dois empresários eram sócios e administradores de uma empresa em Santa nCatarina e deixaram de pagar ICMS entre 2008 e 2011. A empresa entrou em três programas de parcelamento e não quitou a dívida, no valor total de R$ 30 mil reais.
Para o ministro Luís Roberto Barroso, declarar o tributo e não pagar caracteriza a apropriação indébita tributária se demonstrado dolo. A intenção, segundo ele, deve ser apurada na instrução criminal por situações como inadimplência reiterada, venda de produtos abaixo do preço de custo, criação de obstáculo à fiscalização ou uso de laranjas. Seguiram o relator os ministros Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Rosa Weber e Edson Fachin. Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio divergiram. Para eles, trata-se de mero inadimplemento.
Fonte: Valor Economico