A medida será abrangente quando a autoridade administrativa considerar que tais informações são indispensáveis para o processo de fiscalização.
O governo do Estado do Rio de Janeiro passou a permitir que o Fisco peça dados bancários de contribuintes às instituições financeiras, sem autorização judicial, com a possibilidade de alcançar também sócios, administradores e terceiros — empresas, por exemplo, com quem a fiscalizada tem negócios. A medida será mais abrangente quando a autoridade administrativa considerar que tais informações são indispensáveis para o processo de fiscalização.
Considerada polêmica por advogados, a nova regra está no Decreto nº 46.902, que entra em vigor em 60 dias, a contar da publicação no dia 15.
O decreto regulamenta a aplicação do artigo 6ª da Lei Complementar Federal nº 10 de 2001. Esse dispositivo permite o compartilhamento de informações mas, segundo os tributaristas, a legislação do Rio inova ao permitir que o Fisco requisite informações financeiras de “sócios, administradores e terceiros” e não somente do contribuinte fiscalizado.
“Esse é um passo muito largo” , diz o tributarista Luiz Gustavo Bichara, sócio do Bichara Advogados. “Hoje, sócios ou administradores só podem ser incluídos no polo passivo, por exemplo, em situações muito restritas. Imagine poder quebrar o sigilo financeiro dessas pessoas em uma fiscalização da qual elas não são alvo? O Estado do Rio de Janeiro está ampliando os poderes da fiscalização”, afirma.
O artigo 6º da Lei Complementar 105 foi julgado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no ano de 2016. Os ministros, na época, entenderam que não havia efetivamente quebra de sigilo com o compartilhamento dos dados entre instituição financeira e Fisco. Isso porque tanto o banco como a Receita são instituições obrigadas a manter o sigilo.
Advogados afirmam que nesse julgamento, em momento algum, no entanto, os ministros trataram da possibilidade de o Fisco requisitar informações de sócios, administradores ou terceiros — como faz agora o governo do Rio. Se comparar o decreto fluminense com o Decreto nº 3.724, pelo qual a União regulamenta a aplicação do artigo 6º da Lei Complementar 105, também há diferenças, diz Leonel Pittzer, sócio do escritório Fux Advogados. Para ele, a norma da União “tem contexto restritivo”. Porque não cita sócios nem administradores e trata somente dos dados de terceiros no caso de eles aparecerem entre as informações do contribuinte fiscalizado. “E nesta situação o auditor fiscal só vai poder usar se for indispensável para o processo”, diz.
Para que a Secretaria de Fazenda do Rio de Janeiro possa pedir as informações aos bancos é preciso que exista procedimento de fiscalização em curso ou processo administrativo instaurado. Estão estabelecidas, no artigo 4º do decreto, a lista com as hipóteses que podem ensejar a solicitação dos dados tanto da empresa.
Quando houver a identificação ou suspeita de omissão, fraude ou simulação, além de atos ilícitos, por exemplo. Mas também estão previstas situações que, segundo advogados, poderão atingir um grande número de contribuintes, como o fato de contratar com empresa em situação cadastral irregular “Geralmente as empresas procuram fazer uma análise dos seus fornecedores e clientes para se relacionar com quem esteja em situação cadastral regular, mas, eventualmente, pode escapar”, diz Pittzer. “Significa, então, ter os dados compartilhados porque teve uma interação comercial com a companhia fiscalizada.”
O pano de fundo para a publicação do decreto fluminense pode ter relação com a “caçada ao devedor contumaz de impostos”, avalia a advogada Andrea Gonçalves, do escritório Vinhas e Redenschi. “Essa discussão está muito presente”, diz. No fim do ano passado, o STF decidiu que a conduta do empresário que declara, mas não recolhe ICMS poderá ser considerada crime. Para isso, definiram os ministros, tem de ficar demonstrado dolo (intenção) e a chamada contumácia — a repetição da prática.
A Secretaria de Fazenda do Rio de Janeiro e a Procuradoria-Geral do Estado foram procurados pela reportagem, mas não deram retorno até a publicação.
Fonte: Valor Economico