Carf anula autos de infração lavrados antes da notificação de suspensão de imunidade
- João Lucas Viriato Simões Lopes
- 25 de jun. de 2020
- 6 min de leitura
As imunidades tributárias são estabelecidas na Constituição Federal de 1988 como campos de absoluta incompetência tributária dos entes federados, sendo-lhes vedado instituir quaisquer impostos ou contribuições sobre as situações ou pessoas abrangidas por essas limitações ao poder de tributar.
Algumas dessas imunidades, as chamadas incondicionadas, são imediatamente aplicáveis, discutindo-se apenas o alcance semântico dos dispositivos que as estabelecem (e.g. imunidades sobre templos de qualquer culto, art. 150, VI, “b”, da CF), enquanto outras, condicionadas, dependem do atendimento a certos requisitos legais (a serem estabelecidos por meio de lei complementar) para que possam ser fruídas, como aquelas estabelecidas nos arts. 150 VI, “c”, e 195, § 7º, ambos da CF1 e 2.
Pois bem. Entre as pessoas jurídicas que gozam das imunidades condicionadas, sobre seu patrimônio, renda ou serviços, estão as fundações, entidades sindicais, e instituições de educação e de assistência social, desde que sem fins lucrativos, bastando que eles atendam às condições estabelecidas no art. 14 do CTN, verbis:
Art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do artigo 9º é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas:
I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título;
II - aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais;
III - manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.
Além disso, caso a instituição que goze dessa imunidade deixe de atender aos requisitos legais, o art.14, §1º, estabelece que a autoridade competente poderá suspender a aplicação do benefício. Essa suspensão de imunidade, no âmbito federal, veio a ser regulamentada pelo art. 32 da Lei nº 9.430/963, que estabelece o seu regime temporal, procedimento, a forma como se dará a defesa do contribuinte e, mais importante para o texto de hoje, as condições para a lavratura do auto de infração para cobrança dos tributos que deixaram de ser pagos.
Em suma, os §§1º, 2º, 3º e 4º, do art. 32, da Lei nº 9.430/96, estabelecem que constatado o descumprimento de requisito ou condição da imunidade, cabe à fiscalização expedir notificação relatando essa infração, a qual poderá ser objeto de defesa pelo contribuinte. Ao final, entendendo a autoridade fiscal que não procedem as alegações, determinará a expedição do Ato Declaratório Executivo (ADE), notificando o contribuinte a respeito, inclusive para que ele possa impugnar tal ato (§6º, I).
O art. 32, §6º, II, da Lei nº 9.430/96, estabelece que a efetivação da suspensão da imunidade, por meio da notificação do correspondente ADE, condiciona a lavratura do auto de infração para tributar fatos geradores ocorridos no período da suspensão da imunidade. Não obstante, algumas autuações da Receita Federal têm sido lavradas anteriormente à notificação do contribuinte do ADE, o que fez com que a nulidade de tais atos administrativos fosse questionada no âmbito do CARF.
No Acórdão nº 1102-001.2294, de forma unânime, reconheceu-se de ofício de nulidade do auto de infração, sob o fundamento de que “Somente após o ato formal de suspensão da imunidade/isenção pela autoridade competente é que se abre ao auditor fiscal, que detém a prerrogativa de constituição do lançamento tributário, a possibilidade de lavrar o auto de infração” – em outras palavras, o ADE seria condicionante da possibilidade de autuação do sujeito passivo. Posteriormente, esse mesmo processo foi objeto de embargos de declaração, julgados no Acórdão nº 1201-001.5635, reconhecendo a natureza material desse vício.
No mesmo sentido, o Acórdão nº 1202-00.4446 reconheceu a nulidade da autuação lavrada anteriormente à notificação do ADE, que apenas passou a produzir efeitos cerca de três meses após a notificação do contribuinte do auto de infração, sob fundamento de descumprimento do procedimento do art. 32 da Lei nº 9.430/96. Nesse caso, entretanto, o Colegiado ressaltou que não obstante a nulidade, a autuação também não subsistiria no mérito.
Mais recentemente, o Acórdão nº 1201-003.4227, por unanimidade, também reconheceu a nulidade do auto de infração lavrado para a cobrança de IRPJ e CSLL (a parcela relativa ao PIS/COFINS não foi conhecida e foi remetida para outra Seção de julgamento), pontuando que conforme o art. 32, §§1º, 2º e 3º, da Lei nº 9.430/968, o contribuinte deveria ser previamente notificado dos fatos que ensejaram a suspensão da imunidade, oportunizando sua defesa e provas necessárias, e apenas após isto, poderá o Delegado ou inspetor da RFB expedir o ADE – e apenas após este o auto de infração poderá ser lavrado. Além disso, o Colegiado reconheceu expressamente a natureza material do referido vício.
Nessa linha, há no CARF uma linha de entendimentos que exige que todo o procedimento estabelecido no art. 32 da Lei nº 9.430/96 – da notificação da ocorrência da infração, passando pelo contraditório do contribuinte, até a notificação do contribuinte da decisão final e do ADE – para que o auditor fiscal tenha competência para lavratura do auto de infração..
Sob a mesma racionalidade dos precedentes mencionados acima, o Acórdãos nº 1102-000.9019 reconheceu que uma vez declarada a nulidade do ADE, os autos de infração que foram lavrados contra o contribuinte, ainda que posteriores a essa declaração, deverão ser anulados também, evidenciando a relação de prejudicialidade daquele em relação a estes. Na mesma esteira, o tribunal reconheceu necessário que o procedimento do art. 32 fosse cumprido não apenas para o IRPJ, mas também para as contribuições sociais que sejam objeto de isenções próprias, sob pena de nulidade dos autos de infração correspondentes (Acórdãos nº 1103-000.952 e 1201-002.353).
A Câmara Superior também enfrentou a matéria recentemente, no Acórdão nº 9101-003.58610, por maioria de votos, reconhecendo que apenas após o procedimento do art. 32 da Lei nº 9.430/96, com a derradeira notificação do contribuinte do ADE lavrado, teria o auditor a prerrogativa de constituir o crédito tributário, e declarando a nulidade da autuação. Ressalta também que tal medida seria essencial nos casos em que o autuado seja uma pessoa jurídica potencialmente abrangida pela imunidade, como uma entidade beneficente ou educacional, ao contrário, para usar o exemplo do próprio acórdão, de uma empresa de sapatos que se declare imune. Além disso, por unanimidade, reconheceu-se que tal vício teria natureza material e, por maioria, que o rito do art. 32 da Lei nº 9.430/96 se aplicaria também às contribuições sociais, objeto de isenção por força de lei própria.
Esse processo, entretanto, apresenta duas peculiaridades dignas de nota. A primeira delas é o fato do paradigma invocado pela Procuradoria da Fazenda para o seu Recurso Especial dizer respeito a um caso em que o contribuinte, nos períodos autuados, transmitiu DIPJ e DCTF como optante do lucro real, não como entidade imune, o que dispensaria a lavratura de ADE para tributá-lo nesses exercícios, situação que nada tem a ver com o caso que fora julgado.
A segunda é que o seu resultado, apenas na parte relativa à natureza do vício, se deu de maneira unânime, mas com a maioria de votos acompanhando o relator pelas conclusões, o que ensejou a oposição de Embargos pela PFN, aduzindo omissão, por não terem esclarecido a posição predominante sobre natureza do vício, e obscuridade por ter se limitado a invocar as razões do acórdão do CARF, como fundamento de decidir.
Eles foram julgados pelo Acórdão nº 9101-004.14411, que iniciou por reconhecer a nulidade do acórdão embargado por vício de motivação, para na sequência reconhecer, por maioria: i) a nulidade do auto de infração lavrado antes da notificação do ADE; e ii) a nulidade do auto de infração de IRPJ afetaria também os lançamentos reflexos de CSLL, PIS e COFINS; e por qualidade, reconheceu que o vício teria natureza formal, podendo a fiscalização lavrar nova autuação, após a anulação, e desde que observado o rito do art. 32 da Lei nº 9.430/96.
Em sentido contrário, vale mencionar as declarações de voto apresentadas. Uma delas ressalta que o vício não poderia ser formal, tendo em vista que afeta a própria competência do agente para a lavratura do auto de infração e afeta o direito de defesa do contribuinte. A outra declaração, bastante erudita em sua argumentação, pontua que o ADE é condição de existência jurídica do auto de infração lavrado, visto que, sem ele, a pessoa jurídica restaria amparada pela imunidade/isenção, de modo que sequer faria sentido avançar para questionar, no plano da validade, se o vício seria formal ou material, seguindo a contagem do prazo decadencial pela regra do art. 173, I, do CTN.
De fato, o próprio critério de identificação de vício formal adotado pela CSRF, em outras oportunidades, a exemplo do Acórdão nº 9101-004.52712, é incompatível com a solução adotada no caso mencionado acima. Invoca-se, para a sua identificação, o art. 2º da Lei nº 4.717/1965, que aponta serem causas de nulidade, entre outras, i) incompetência e ii) vício de forma – ora, se a lavratura do ADE é condição para que o fiscal possa validamente lançar o tributo, tratar-se-ia de questão de competência, e não de forma, vícios claramente distinguidos pela legislação invocada. A lavratura do ADE não é mera formalidade para a expedição do auto de infração, mas um procedimento próprio e autônomo, com exercício de contraditório e direito de defesa pelo contribuinte.
Como se pode ver dos precedentes analisados, o CARF tem sido bastante estrito com a necessidade de observância do rito do art. 32 da Lei nº 9.430/96, exigindo que o contribuinte seja notificado do ADE anteriormente à lavratura dos autos de infração, sob pena de nulidade deles (principal e reflexos). Esse rito, inclusive, tem sido exigido para as imunidades referentes às contribuições sociais de PIS/COFINS e CSLL, normalmente lançadas juntamente ao IRPJ, como reflexos.
A despeito das considerações bastante técnicas do Cons. André Moura na declaração de voto no Acórdão nº 9101-004.527, que recolocam a discussão, o CARF tem, em sua a esmagadora maioria das decisões, reconhecido que tal vício teria natureza material, mantendo-se a contagem do prazo decadencial do art. 173, I, do CTN, com a ressalva da decisão proferida pela CSRF, tratando-o como vício formal.
Fonte: Conjur
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