Custos e burocracia atual não atendem necessidades de pequenos empreendedores
A atual Lei de Recuperação Judicial e Falências (nº 11.101, de 2005) prevê um procedimento especial para as micro e pequenas empresas, que não atende as necessidades desse mercado. Nos últimos dez anos, só quatro delas usaram o mecanismo no Estado de São Paulo — que responde por um terço das recuperações judiciais do país. Com o objetivo de mudar essa realidade, ao menos três projetos de lei, em andamento no Congresso, pretendem facilitar a reestruturação de empreendimentos de menor porte.
As empresas de pequeno porte esbarram nos altos custos e na burocracia dos processos de recuperação. Além disso, para ter direito ao pedido precisam ter pelo menos dois anos de funcionamento — segundo dados do Sebrae, uma a cada quatro não sobrevive a esse período. “O pequeno empresário nos procura com frequência, mas quando contabilizamos os custos e informamos sobre o processo há um desestímulo”, afirma Filipe Denki, advogado tributarista.
Para a baixa atratividade, conta ainda o fato de a recuperação proteger a empresa, mas deixar o dono do estabelecimento de fora. “Não existe micro e pequena empresa em que o sócio não tenha a sua dívida atrelada à da companhia. Ao abrir conta no banco, por exemplo, o banco coloca o administrador como devedor solidário”, afirma Renato Scardoa, sócio do Franco Advogados. Segundo ele, não há interesse do credor em negociar na recuperação judicial, já que é possível cobrar diretamente do proprietário da empresa.
Os três projetos de lei em andamento no Congresso foram protocolados durante a pandemia. O PL n 1.397, da Câmara, e o PL n 2.373, do Senado, têm caráter emergencial e serviriam somente para as dívidas contraídas no período de calamidade pública. Já o Projeto de Lei Complementar n 33, apresentado em abril pelo senador Angelo Coronel (PSD-BA), propõe reformular o que existe hoje. Uma das principais novidades seria a chamada “liquidação especial”, que permitiria ao empresário falido retornar rapidamente ao mercado.
Trata-se de um procedimento semelhante ao que existe nos Estados Unidos, conhecido como “fresh start”. O empresário entrega o patrimônio da companhia e os seus bens pessoais (resguardados os de família, por exemplo, protegidos por lei) para o pagamento dos credores e, mesmo se insuficiente para pagar o que deve, ele pode recomeçar.
Atualmente, pela lei, o empresário só pode retornar ao mercado depois de cinco anos do encerramento da falência. E isso pode levar décadas (leia mais na reportagem abaixo).
Uma outra frente de apoio às micro e pequenas empresas está sendo construída no Judiciário. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) estuda colocar em prática um projeto para que essas companhias possam negociar de forma coletiva com os credores. Seria uma etapa pré-processual, mas em audiência coordenada por um juiz de vara empresarial.
A ideia inicial é que a empresa preencha um formulário informando sobre a sua situação e quem são os seus credores. Ela encaminhará o documento por e-mail ao núcleo à frente do projeto, será feita uma análise do caso e marcada a audiência entre devedor e credores.
“É claro que isso precisa ser rápido, entre sete e dez dias, por exemplo. Tentaremos uma solução amigável na própria audiência e, se o caso for muito grave, poderemos indicar uma mediadora ou uma câmara de mediação especializada em negociação empresarial”, diz o juiz Paulo Furtado, titular da 2 Vara de Recuperação e Falências no TJ-SP.
Furtado e os demais magistrados das varas especializadas da capital e também os das duas regionais, criadas pelo TJ-SP em dezembro, estarão à frente do projeto piloto, se levado adiante.
Micro e pequenas empresas representam quase 99% das companhias privadas do país — e vêm sendo fortemente afetadas pela pandemia. Uma pesquisa divulgada em abril pelo Sebrae mostrou que 600 mil haviam fechado as portas até aquele momento, deixando nove milhões de desempregados.
Hoje, a Lei n 11.101, de 2005, que regula os processos de recuperação judicial, oferece duas opções às micro e pequenas empresas: o regime ordinário, disponível a todas as demais companhias, ou o especial, previsto para atender especificamente as de pequeno porte.
No regime especial, os custos são mais baixos. Os honorários do administrador judicial, que no ordinário são fixados em 5% sobre o valor da causa — o passivo sujeito ao processo —, caem para 2% e não é preciso realizar assembleia de credores para aprovar o plano de pagamento. Segundo especialistas, justamente por não existir assembleia, o processo é “engessado”.
As condições de pagamento são pré-estabelecidas. A empresa tem até 180 dias contados da data do pedido de recuperação para começar a pagar os credores e deverá quitar todo o seu passivo em no máximo 36 meses, com correção pela Selic.
Tais condições são bem menos vantajosas do que as previstas no regime ordinário, em que há livre negociação com os credores.
Na modalidade comum a todas as empresas, a devedora negocia as condições de pagamento com os credores. Os planos geralmente preveem prazo de carência — os pagamentos, em média, se iniciam em dois anos —, descontos de cerca de 30% e parcelamentos que podem passar de 20 anos, segundo dados da Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ).
“Mas é complexo. Os custos são altos e há burocracia. Um empresário pequeno tem muita dificuldade de acessar”, observa o advogado Marcelo Guedes Nunes, presidente da entidade. Segundo ele, é preciso contratar um advogado especializado e uma assessoria financeira para elaborar o plano de pagamento e negociar com os credores. Tem ainda as custas processuais, os honorários do administrador judicial e os gastos para realizar a assembleia-geral de credores.
Além disso, para entrar com o processo, é exigida uma série de documentos contábeis que, na maioria das vezes, ressalta Guedes Nunes, as pequenas empresas não conseguem apresentar.
Fonte: valor econômico