O descompasso entre a legislação nacional e estadual no que diz respeito ao complemento do ICMS-ST deve ser, ao menos, alvo de tempestiva apreciação por parte do Judiciário.
Depois de tanta expectativa por parte dos contribuintes, notadamente dos médios e grandes varejistas, o Estado de São Paulo regulamentou a figura do “complemento” ou complementação” do ICMS sujeito ao regime de substituição tributária (ICMS-ST).
Em outubro, a Lei estadual nº 17.293, sancionada pelo governador João Doria (PSDB), já havia previsto a figura do complemento do imposto, mas pendia de regulamentação por parte do Estado, o que só veio a ocorrer com a edição neste ano do Decreto Estadual nº 65.471, com vigência imediata e produção de efeitos a partir de 15 de janeiro que, nesse aspecto, alterou a redação original da Lei nº 6.374, de 1989.
O descompasso entre a legislação nacional e a estadual deve ser, ao menos, alvo de tempestiva apreciação pelo Judiciário
Importante recordar que a criação da figura do complemento do ICMS-ST se encontra inserida em um contexto histórico mais amplo, que diz respeito à vitória do contribuinte ao pleitear seu direito de restituição do imposto em caso de haver recolhimento do tributo sobre base de cálculo presumida, pelo substituto, que supere o valor da operação efetivamente praticada pelo substituído na cadeia mercantil. O complemento se daria, assim, em oposição lógica ao direito de há 4 horas Legislação restituição, ou seja, naquelas situações em que o valor presumido seria inferior ao correspondente à operação efetivamente praticada pelo substituído.
Nesse contexto, a discussão do direito de restituição teve início a partir da polêmica redação dada à cláusula 2ª do Convênio Confaz n º 13, de 1997, que fora objeto de questionamento perante do Supremo Tribunal Federal, havendo a Confederação Nacional do Comércio de Alagoas, à época, ingressado com a ação direta de inconstitucionalidade nº 1.851, de relatoria do então ministro Ilmar Galvão, discussão que fora fundada no debate acerca da devida interpretação que se deveria atribuir ao parágrafo 7º do artigo 150 da Carta Magna, justamente que tratava do direito de restituição em caso de não ocorrência do fato gerador conforme presumido.
Em que pese o resultado desse julgado, posteriormente o contribuinte restou vitorioso na discussão, haja vista o resultado positivo em sede do julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade nº 2.675 e nº 2.777, assim como do recurso extraordinário nº 593.849/MG, reconhecendo o direito de restituição dessa diferença, recolhida a maior pelo contribuinte substituto em nome do substituído.
A reação dos Estados se deu de forma quase que imediata, procurando meios de fazer frente à potencial perda de arrecadação, de modo que muitos dos Estados passaram a prever de forma expressa a figura do “complemento” do ICMS-ST, a ser suportada pelo contribuinte substituído, como se pudesse ser tratado meramente como “o outro lado da moeda” do direito de restituição.
Ocorre que o direito de restituição se encontra garantido com base na Constituição (artigo 150, parágrafo 7º) e em lei complementar (artigo 10 da LC nº 87, de 1996), enquanto que o complemento estaria sendo tratado sem fundamento de validade em qualquer desses dois diplomas.
Nesse sentido, importante destacar que seria um tanto absurdo tentar-se fundar a tributação meramente na alegação de eventual “enriquecimento sem causa do contribuinte”, quando nosso sistema está salvaguardado pelas garantias constitucionais decorrentes da legalidade e da reserva de lei complementar para tratar de normas gerais (artigo 150, inciso I e artigo 146, inciso III, alínea “a”, da CF) e, particularmente, de normas que disciplinem a responsabilidade por substituição tributária (artigo 155, inciso XII, alínea “b”).
Além disso, o legislador estadual não parece ter atentado ao fato de que a norma constante do parágrafo 7º do artigo 150 está inserida no Título VI, Capítulo I, Seção II da Constituição que trata das “Das Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar”, sendo norma eminentemente protetiva ao contribuinte, não podendo ser utilizada como fundamento para fins arrecadatórios ou de instituição disfarçada de tributo.
Isso porque a substituição tributária serve para fins de praticidade e facilitação de fiscalização e arrecadação ao Fisco, configurando a “quebra” da presunção que funda esse regime em favor do Fisco um verdadeiro “venire contra factum proprium” do órgão fazendário.
Outro fator que ainda deverá gerar maior polêmica diz respeito ao fato de que os elementos básicos da incidência do imposto não parecem estar de melhor forma definidos a partir da Lei nº 17.293, de 2020, já que foram tratados de forma mais genérica na lei, dependendo de normas infralegais para sua concreção.
Vale mencionar que, em que pese uma análise ainda preliminar realizada por poucos ministros da Suprema Corte, o tema relativo à constitucionalidade do complemento de ICMS parece não ter sido ainda devidamente enfrentado, notadamente no que se refere à reserva de lei complementar para tratar da matéria.
Por fim, vale mencionar que muitos dos setores afetados, como ocorre com o varejo de supermercados, atuam com margens de lucro extremamente competitivas, atuando, ao mesmo tempo, com estabelecimento comerciais localizados em mais de um ente federado, de modo que esse descompasso entre a legislação nacional e estadual no que diz respeito ao complemento do ICMS-ST deve ser, ao menos, alvo de tempestiva apreciação por parte do Poder Judiciário.
Fonte: Valor Econômico
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