Aneel estuda devolução de bilhões de reais obtidos na Justiça pelas empresas do setor
A vitória das companhias de energia no julgamento da “tese do século”, sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins, poderá beneficiar os consumidores. Está na mesa de negociação do setor a devolução desses valores aos usuários do serviço, que efetivamente arcam com o custo dos tributos nas contas de luz. Estão em jogo, de acordo com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), R$ 50,1 bilhões - R$ 26,5 bilhões em créditos já habilitados na Receita Federal.
O PIS e a Cofins são contribuições exigidas pela União sobre o faturamento das empresas. Esse custo é repassado nas faturas de luz, telefone e internet. No setor de telecomunicações, o debate sobre o reembolso a consumidores também já começou, mas ainda é incipiente (ver abaixo).
Em 2017, o STF proibiu a União de “inflar” a base de cálculo do PIS/Cofins com a inclusão do ICMS. As empresas, portanto, podem recolher as contribuições sem a parcela do imposto estadual. Mas há outro efeito positivo, o de recuperar o que foi pago a mais ao governo no passado. O único fator que poderá afetar esse efeito retroativo será a decisão que os ministros do STF devem tomar, amanhã, sobre o alcance da decisão proferida há quatro anos.
A Aneel tem colhido sugestões para editar uma norma para regulamentar a devolução desses créditos aos consumidores. E também dar uma solução para 4 das 53 distribuidoras de energia do país que não entraram com ação contra a Fazenda Nacional.
“Para a agência, não há margem de discussão sobre se o repasse é ou não devido. O debate agora é como isso será feito”, afirma o advogado Vitor Mello, do escritório Rolim, Viotti, Goulart, Cardoso Advogados.
A área técnica do órgão regulador propôs a devolução de forma difusa, por desconto na fatura. O reembolso seria feito à medida que as concessionárias levantassem os valores depositados judicialmente ou realizassem compensações com outros tributos federais. Ainda não há decisão sobre essa proposta, que conta com o apoio do Ministério da Economia.
Embora algumas distribuidoras defendam a devolução para cada consumidor individualmente - pelo CPF ou CNPJ -, a Aneel considera essa via de difícil operacionalização. “A alternativa escolhida deve ser adaptável, de modo que acomode, se necessário, a eventuais alterações ocorridas no âmbito de decisões administrativas e judiciais posteriores poderiam alterar os montantes efetivos de aproveitamento”, diz Efrain Pereira da Cruz, diretor da Aneel, relator da proposta submetida à consulta pública.
De acordo com dados compilados pelo órgão regulador, 23 concessionárias possuem ação judicial encerrada. Esses processos representam cerca de R$ 35 bilhões em créditos. Desse montante, R$ 26,5 bilhões já foram habilitados na Receita Federal para serem utilizados na quitação de tributos correntes, por meio de compensações. Ainda haveria R$ 14,6 bilhões em jogo nas ações em andamento.
A Cemig, por exemplo, tem R$ 4 bilhões a compensar. Em agosto, a distribuidora com atuação no Estado de Minas Gerais fez o primeiro repasse de créditos aos usuários, no montante de R$ 714,4 milhões. “A Aneel acatou a solicitação da companhia e definiu que o efeito médio do reajuste de 2020 da empresa, que anteriormente era de 4,27%, passasse para 0%”, informa em nota a companhia.
A Copel, que atua no Estado do Paraná, apurou R$ 5,6 bilhões em créditos decorrentes da ação judicial encerrada em junho de 2020. De acordo com o presidente da companhia, Daniel Pimentel Slaviero, a maior parte desse montante deve ser repassada aos consumidores. “São valores relevantes para evitar uma alta no reajuste tarifário deste ano”, diz o executivo, acrescentando que a vitória na Justiça representou um desconto médio de 3,08% nas faturas emitidas a partir de julho.
Assim como outras distribuidoras, a Copel defende que tem direito de reter parte dos valores para fazer frente a custos com o processo, como honorários de advogados. Para advogada, faz sentido pensar em uma política de incentivo para as empresas que foram diligentes em uma atuação judicial que contribui para a modicidade da tarifa. “Mas o dinheiro deve voltar integralmente para quem efetivamente pagou, ou seja, o usuário”, diz.
Outra preocupação das empresas é sobre a proposta de restituição integral dos créditos - sem aplicação de prazo prescricional. Pela proposta da Aneel, “a devolução se dará no tempo necessário” para amortizar o total dos créditos disponíveis às distribuidoras. Elas defendem, porém, que têm obrigação de devolver apenas créditos inferiores a dez anos.
Os demais, dizem, estariam prescritos, com base no artigo 205 do Código Civil.
Para a Light, que atua no Estado do Rio de Janeiro, o Judiciário é o caminho correto para o usuário recuperar os valores pagos a mais, com prazo menor, porém, de 5 anos. “Eventual decisão da Aneel pela restituição integral aos consumidores vai obrigar a distribuidora a litigar inclusive contra quem não litigaria, o que aumentará as disputas, em vez de resolvê-las”, afirma em resposta à proposta da agência.
Algumas concessionárias, como as do grupo Enel Brasil, que tem atuação na capital e na região metropolitana de São Paulo, consideram a proposta de ressarcimento “razoável”, mas dizem que o órgão regulador precisa prever mecanismos para evitar uma devolução duplicada ao consumidor.
Em manifestação feita em consulta pública sobre o assunto, o grupo afirma que “as distribuidoras da Enel já estão sendo demandadas judicialmente por consumidores que pleiteiam a devolução individual desses valores”.
A Copel, por exemplo, já recebeu mais de 100 notificações extrajudiciais de consumidores de médio e grande porte perguntando como será feita a devolução. “Existe um caminho do meio. Abrir um período de um ano, talvez, para fazer o reembolso individual. E o que sobrar, depois desse tempo, repassamos na tarifa”, diz Slaviero.
A sugestão de grandes consumidores que compram energia no mercado livre é a de que o desconto venha a recair na Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (Tusd). “Grande parte dos consumidores livres não pagam tarifa de energia. Eles pagam apenas Tusd, que todos nós pagamos”, diz a diretora jurídica . “O mercado de consumo de energia não é o mesmo da época em que as ações começaram a ser ajuizadas, há mais de 20 anos”, completa.
Procuradas pelo Valor, Enel e Light preferiram não se manifestar.
Fonte : Valor Econômico (Editado).
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