Seguindo a previsão constitucional no sentido de que o ICMS será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores, a Lei Complementar nº 87/96 (Lei Kandir) assegurou o direito ao crédito inclusive dos bens adquiridos e destinados ao ativo permanente/imobilizado.
De acordo com a Lei das S.A., o ativo imobilizado é composto pelos direitos que tenham por objeto bens corpóreos destinados à manutenção das atividades da empresa ou exercidos com essa finalidade, cuja utilização é estimada em período superior a um ano.
Adicionalmente, o Comitê de Pronunciamentos Contábeis nº 27 classifica os bens desse ativo como aqueles mantidos para uso na produção ou fornecimento de mercadorias ou serviços, bem como aqueles destinados a aluguel ou a fins administrativos.
Nesse sentido, a Lei Kandir limitou o direito ao crédito dos bens adquiridos para o ativo permanente quando estes se refiram a mercadorias ou serviços alheios à atividade da companhia [1].
Além disso, o creditamento deve seguir o método previsto no Controle de Crédito de ICMS do Ativo Permanente (CIAP), e observar as demais regras previstas na Lei [2], como o fracionamento em um quarenta e oito avos multiplicado pelo coeficiente obtido pela proporção entre as saídas tributadas em relação às saídas totais.
No aproveitamento dos créditos, uma das maiores fontes de controvérsias entre Fisco e contribuinte recai sobre os bens adquiridos para o ativo permanente que não permanecem fisicamente nos estabelecimentos das empresas, pois são cedidos a terceiros por comodato ou em locação. Usualmente, o entendimento fazendário é bastante amplo quanto à classificação de bens como alheios à atividade do contribuinte, o que enseja a glosa dos créditos eventualmente compensados.
Embora a jurisprudência já tenha se manifestado expressamente sobre a manutenção dos créditos dos bens cedidos em comodato, a locação ainda não foi apreciada em precedente vinculante, o que pode suscitar questionamentos.
Em 2020, o STF julgou o tema nº 1052, em sede de Repercussão Geral [3], oportunidade em que foi fixada tese pela constitucionalidade do creditamento de ICMS sobre aparelhos telefônicos adquiridos por empresas prestadoras de serviços de telecomunicação, posteriormente cedidos mediante comodato. Prevaleceu a correta fundamentação no sentido de que os aparelhos estão relacionados com os serviços prestados e que, ainda que cedidos para uso, estes permaneceram no patrimônio do contribuinte que os adquiriu.
Esse entendimento também prevaleceu no STJ, e há julgados isolados como o AgInt no REsp nº 1.380.193/PR [4], em que foi admitido o creditamento sobre bens adquiridos para integrar o ativo permanente e locados, em caso de empresa cuja atividade-fim era justamente a locação.
Entretanto, na esfera administrativa, mesmo diante da análise de casos relativos às operações de comodato, há decisões recentes que contrariam o entendimento do STJ, a exemplo dos AIIM nº 4000244-5 e 4136486-7, que julgaram indevido o crédito diante da aquisição de freezers, geladeiras, cadeiras e mesas cedidas em comodato por contribuinte que comercializa bebidas, ao fundamento de que seriam operações alheias à sua atividade, embora já houvesse sido autorizado no RMS nº 24.911 [5].
Quanto à natureza dos negócios jurídicos, comodato e locação se assemelham pelo fato de que ambos envolvem a mera transferência temporária da posse de bens não fungíveis, sem qualquer impacto quanto à propriedade da coisa.
Embora somente na locação haja a retribuição, tanto o locatário quanto o comodatário são obrigados a restituir o bem no encerramento dos contratos. Afinal, é justamente a provisoriedade que distingue o comodato da doação, e a locação de uma compra e venda, por exemplo.
Dessa forma, ante a premissa de que os bens locados permanecem de titularidade do contribuinte que os adquiriu e os destinou ao ativo imobilizado, deve-se adotar analogamente a mesma conclusão aplicável aos bens cedidos em comodato, qual seja: ainda que não permaneçam fisicamente no estabelecimento do contribuinte (exigência que não encontra amparo legal), deve ser assegurado o direito aos créditos oriundos da aquisição de bens relacionados com a atividade da empresa.
No que se refere ao grau de relação dos bens adquiridos com a atividade da empresa, vale observar que a legislação somente veda o creditamento daqueles que sejam "alheios à atividade do estabelecimento". Na redação legal não há exigência de que os bens sejam necessária e diretamente empregados na fabricação, comercialização ou prestação do serviço, tampouco que se relacionem exclusivamente com a atividade principal da empresa.
Conforme já exposto, a definição legal de ativo imobilizado pressupõe bens destinados à manutenção das atividades ou exercidos com essa finalidade, conceito mais amplo que o usualmente adotado nas fiscalizações fazendárias. É nesse sentido que merece elogios a decisão também já mencionada do STF, ao reconhecer que os aparelhos celulares, embora não se confundam com serviços de telecomunicação, estão envolvidos "no dinamismo do serviço de telefonia móvel", viabilizam e impulsionam a realização do objeto social.
Tais afirmações endossam a tese de que os bens destinados ao ativo não precisam se confundir necessariamente com a operação desenvolvida, a exemplo da cessão de geladeiras pelas empresas que comercializam bebidas.
Finalmente, não há que se falar na limitação do direito ao crédito pelas legislações estaduais. Isso porque, seja pelo artigo 146, seja pelo artigo 155, §2º, XII, 'c', ambos da CRFB/88, cabe à lei complementar dispor sobre as normas gerais e sobre o regime de compensação do ICMS. Apesar da competência tributária ter sido delegada aos Estados, trata-se de imposto de caráter nacional, de modo que o tratamento deve ser uniforme no território nacional, sempre que possível, como forma de atenuar os danosos efeitos da guerra fiscal.
Portanto, embora a Repercussão Geral julgada pelo STF tenha se limitado aos bens cedidos em comodato, o mesmo raciocínio se aplica à locação, haja vista a característica comum de transferência da posse, com a permanência do bem no patrimônio do contribuinte. Ainda, a Suprema Corte entendeu que basta que os bens viabilizem ou impulsionem o objeto social para que sejam considerados pertinentes à atividade da empresa, não podendo o direito ao crédito ser restringido pelas legislações e Fiscos estaduais.
[1] LC nº 87/96. Artigo 20. §1º Não dão direito a crédito as entradas de mercadorias ou utilização de serviços resultantes de operações ou prestações isentas ou não tributadas, ou que se refiram a mercadorias ou serviços alheios à atividade do estabelecimento.
[2] LC nº 87/96. Artigo 20. §5o Para efeito do disposto no caput deste artigo, relativamente aos créditos decorrentes de entrada de mercadorias no estabelecimento destinadas ao ativo permanente, deverá ser observado:
I – a apropriação será feita à razão de um quarenta e oito avos por mês, devendo a primeira fração ser apropriada no mês em que ocorrer a entrada no estabelecimento; II – em cada período de apuração do imposto, não será admitido o creditamento de que trata o inciso I, em relação à proporção das operações de saídas ou prestações isentas ou não tributadas sobre o total das operações de saídas ou prestações efetuadas no mesmo período; III – para aplicação do disposto nos incisos I e II deste parágrafo, o montante do crédito a ser apropriado será obtido multiplicando-se o valor total do respectivo crédito pelo fator igual a 1/48 (um quarenta e oito avos) da relação entre o valor das operações de saídas e prestações tributadas e o total das operações de saídas e prestações do período, equiparando-se às tributadas, para fins deste inciso, as saídas e prestações com destino ao exterior ou as saídas de papel destinado à impressão de livros, jornais e periódicos; IV – o quociente de um quarenta e oito avos será proporcionalmente aumentado ou diminuído, pro rata die, caso o período de apuração seja superior ou inferior a um mês; V – na hipótese de alienação dos bens do ativo permanente, antes de decorrido o prazo de quatro anos contado da data de sua aquisição, não será admitido, a partir da data da alienação, o creditamento de que trata este parágrafo em relação à fração que corresponderia ao restante do quadriênio; VI – serão objeto de outro lançamento, além do lançamento em conjunto com os demais créditos, para efeito da compensação prevista neste artigo e no art. 19, em livro próprio ou de outra forma que a legislação determinar, para aplicação do disposto nos incisos I a V deste parágrafo; e VII – ao final do quadragésimo oitavo mês contado da data da entrada do bem no estabelecimento, o saldo remanescente do crédito será cancelado.
[3] STF. RE 1141756, relator(a): MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 28/09/2020, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL — MÉRITO DJe-268 DIVULG 09-11-2020 PUBLIC 10-11-2020. [4] STJ. AgInt no REsp 1380193/PR, relator ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25/03/2019, DJe 01/04/2019. [5] STJ. RMS 24.911/RJ, relator ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 26/06/2012, DJe 06/08/2012.
Fonte : Conjur.
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