Decisão inédita tem como base mudanças promovidas pela nova Lei de Falências
Uma empresa em recuperação judicial obteve autorização da Justiça para oferecer bens como garantia de um empréstimo logo no início do processo e sem o aval dos credores. A decisão, proferida pela 3ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, é a primeira que se tem notícias nesse sentido. O juiz levou em conta um dispositivo da nova Lei de Recuperações e Falências, que entrou em vigor neste ano.
O precedente é importante para as empresas em recuperação porque a obtenção desse direito abre a possibilidade de acesso ao crédito. Essas companhias têm dificuldade em conseguir dinheiro no mercado e, sem garantias, a situação se torna ainda mais crítica.
No caso julgado, por exemplo, a empresa não teria conseguido sem a decisão judicial. O imóvel que serviria como garantia ao empréstimo estava penhorado por dívidas anteriores ao pedido de recuperação judicial.
O juiz, considerando que essas dívidas estão abarcadas pelo processo - ou seja, os credores receberão conforme o plano de pagamento que será votado em assembleia-geral - determinou a expedição de ofício ao cartório de registro de imóveis para que seja feito o cancelamento das averbações.
Ele autorizou que o imóvel e também equipamentos essenciais à empresa sejam dados em garantia à instituição financeira. Há permissão, inclusive, para alienação fiduciária, modalidade em que o devedor transfere a propriedade do bem para o credor.
A base dessa decisão é o artigo 69-A da Lei nº 11.101, de 2005, que foi recentemente alterada pela Lei nº 14.112, de 2020. As novas regras estão em vigor desde o dia 23 de janeiro.
Consta nesse dispositivo que o juiz pode “autorizar a celebração de contratos de financiamento, garantidos pela oneração ou pela alienação fiduciária de bens e direitos pertencentes ao ativo não circulante, para financiar as atividades e despesas de reestruturação ou de preservação do valor de ativos”.
Esse artigo determina que o juiz, antes de decidir, precisa ouvir o “comitê de credores”. Mas consta num outro dispositivo da lei, o artigo 28, que se esse comitê não existir, caberá ao administrador judicial exercer o papel.
Foi o que aconteceu no caso julgado pela 3ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro. A recuperação judicial havia sido recém-aprovada pelo juiz Luiz Alberto Carvalho Alves e os credores ainda não estavam organizados.
A empresa, que atua no setor de implementos rodoviários, entrou com o pedido de recuperação no dia 19 de março. O processo foi deferido pelo juiz em 7 de abril e a decisão que liberou os bens como garantia ao empréstimo foi proferida no dia 20 deste mês (processo nº 0063873-34.2021.8.19.0001).
Os credores submetidos ao processo de recuperação judicial não foram ouvidos, mas tanto o administrador judicial como o Ministério Público se posicionaram pela liberação dos bens. O juiz autorizou a operação de crédito “de modo a viabilizar a manutenção da atividade produtiva, dos empregos e do cumprimento dos contratos pela empresa em recuperação judicial”.
A companhia havia afirmado, ao apresentar o pedido de liberação dos bens, que precisava do dinheiro com urgência. Estava com dificuldade de adquirir matéria-prima e cumprir com os pedidos. Por causa do atraso, disse, os clientes não estavam mais aceitando fazer os pagamentos adiantados e, sem capital de giro necessário, acabou atrasando os salários dos funcionários, o que tornou ainda mais difícil a entrega das encomendas.
“Antes de a lei ser alterada, o financiador ficava inseguro por causa do risco da operação. Não sabia se, de fato, conseguiria executar a garantia. Agora, está previsto em lei e tem uma autorização judicial garantindo, dando proteção ao negócio. É um grande incentivo para as operações de crédito dentro da recuperação judicial”, afirma o Advogado, que atua para a empresa que obteve a decisão na Justiça do Rio.
Especialista na área de insolvência, diz que a nova lei simplificou o procedimento. Antes, observa, era bem longo e comprometia a operação.
“Para injetar dinheiro na empresa era necessário obter a aprovação por meio de uma assembleia de credores. Às vezes a assembleia não era realizada por falta de quórum, em outras havia impugnações das mais diversas, algumas sem sentido, e o juiz tinha que analisar tudo aquilo. Demorava muito”, afirma.
A advogada chama a atenção, no entanto, que a nova lei obrigará os credores a se organizar melhor. “Percebemos que não estão preparados. Normalmente os comitês são constituídos na assembleia. E isso precisa mudar urgente. É preciso constituir o comitê de credores logo no começo, na instauração do procedimento de insolvência. Porque na ausência desse comitê, fica a cargo do administrador judicial, e não dos credores, aprovar a operação.”
Fonte : Valor Econômico (Editado).
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