Ministros analisam pedido contra a cobrança de contribuição referente ao passado
As empresas poderão encerrar o dia de quarta-feira com uma dívida bilionária com a União. A confirmação depende de um julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF).
Os ministros têm até a meia-noite para decidir se a Receita Federal poderá cobrar valores que deixaram de ser pagos, no passado, por aquelas que não contabilizaram o terço de férias no cálculo da contribuição previdenciária patronal.
Esse julgamento ocorre no Plenário Virtual e, por enquanto, a situação é dramática para as empresas. Dos seis ministros que votaram, quatro se posicionaram pela possibilidade da cobrança. Mas ainda faltam os votos de outros cinco ministros para que se tenha o desfecho.
O STF decidiu pela tributação do terço de férias em agosto do ano passado. As empresas, imediatamente, reincluíram esses valores no cálculo da contribuição patronal e, desde lá, vêm recolhendo desta forma.
Agora se discute no Supremo o que deixou de ser pago no passado — a chamada modulação de efeitos. Os ministros julgam esse tema por meio dos embargos de declaração apresentados pelo contribuinte (RE 1072485).
A maioria das empresas não tributava o terço de férias antes da decisão de agosto, com base em entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Muitas delas amparadas por decisões de primeira e segunda instâncias.
De agosto para cá, no entanto, uma grande parte viu as suas decisões caindo por terra. Os desembargadores não esperaram pelo julgamento dos embargos de declaração para revertê-las. Essa movimentação, por si só, tem impactado o caixa das empresas.
O contribuinte tem até 30 dias, a partir da ciência da decisão, para pagar os valores devidos ao Fisco ou fazer um depósito judicial. Se cumprir esse prazo, ele se livra da multa de ofício, que é de 20% sobre a dívida.
“A importância de se fazer o depósito é para evitar que a Receita Federal venha a lavrar o auto de infração. E, nesse caso, com a multa”, afirma o advogado Pedro Ackel. Ele diz que 75% dos seus clientes já tiveram as decisões revertidas nos tribunais regionais. Um único deles precisou desembolsar, recentemente, R$ 2,7 milhões.
Nesses casos, acrescenta, eles vêm apresentando recurso contra a decisão, argumentando que ainda há o julgamento dos embargos de declaração no STF. Se os ministros aplicarem a modulação de efeitos, as empresas que optaram por fazer os depósitos poderão levantar os valores. Senão, elas, pelo menos, terão se livrado da multa de 20%.
“Mas é preciso levar em conta que nem todas conseguem tirar milhões de reais do seu caixa em 30 dias. Estamos em meio a uma pandemia e as empresas não estão capitalizadas”, diz o advogado Halley Henares Neto, presidente da Associação Brasileira de Advocacia Tributária (Abat).
A Abat tem um estudo sobre o impacto da decisão do Supremo. Terão de ser desembolsados, pelas empresas, entre R$ 80 bilhões e R$ 100 bilhões se prevalecer o entendimento de que a Receita Federal pode cobrar os valores passados.
Essa projeção foi feita com base nos valores arrecadados pelo governo federal. São cerca de R$ 200 bilhões por ano com a contribuição previdenciária patronal. O terço de férias, se contabilizado, diz a Abat, representaria entre 10% e 12% desse total.
“As demonstrações financeiras das empresas neste ano de 2021 vão sofrer um impacto significativo. Vai ser difícil até explicar para o acionista de fora, no caso de uma multinacional, por exemplo, como esse rombo surgiu do dia para a noite. Existia, afinal, uma decisão em caráter repetitivo do STJ”, diz Henares Neto.
Ele se refere à decisão de fevereiro de 2014, quando o STJ se posicionou sobre o tema em caráter repetitivo — vinculando as instâncias inferiores. Os ministros consideraram, naquela ocasião, que por ter natureza indenizatória, o terço de férias não deveria ser incluído no cálculo da contribuição patronal.
É por esse motivo, segundo os advogados, que praticamente todas as empresas se encontram “em dívida”. Algumas tomaram esse julgamento como verdade e pararam de tributar, sem sequer recorrer à Justiça — o que, segundo os advogados, as deixa numa situação delicada. Outras, mais prudentes, entraram com ação para ter esse direito formalizado.
Os ministros do STF alteraram essa jurisprudência — seis anos depois — com ampla maioria de votos: 9 a 1. Prevaleceu o entendimento do relator, o ministro Marco Aurélio.
Ele também está puxando votos, agora, no julgamento dos embargos. Marco Aurélio se posicionou pela possibilidade de a Receita Federal cobrar os valores passados e, por enquanto, está sendo acompanhado por três ministros: Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski.
O posicionamento do relator não causou surpresa ao mercado. Marco Aurélio, que passou recentemente por uma cirurgia, geralmente vota contra a chamada modulação de efeitos na Corte. Ele repetiu, nesse caso, portanto, algo que já era já conhecido.
“Concluindo-se pela modulação, a óptica desaguará na presunção de inconstitucionalidade da norma enquanto não houver deliberação do tribunal sob o ângulo da repercussão maior. Não se pode potencializar a segurança jurídica — gênero — em detrimento da própria lei, instrumento último de estabilização das expectativas no Estado Democrático de Direito”, diz em seu voto.
Os ministros Luís Roberto Barroso e Dias Toffoli, minoria por enquanto, são os únicos divergindo. Eles defendem que o governo possa cobrar a tributação sobre o terço de férias somente a partir da ata do julgamento do STF — impedindo, portanto, a cobrança dos valores que, no passado, não foram pagos.
Eles ressaltam, no entanto, que quem recolheu a contribuição sobre o terço de férias no passado não poderá pedir a devolução dos valores ao governo. O ministro Barroso cita, no seu voto, o artigo 927 do Código de Processo Civil. Consta nesse dispositivo que pode haver a modulação de efeitos quando há alteração de jurisprudência dominante nos tribunais superiores ou oriunda de julgamento de casos repetitivos.
“Resta clara a alteração de jurisprudência dominante do STJ, o que, por si só, já demandaria atuação desta Corte a fim de assegurar que a segurança jurídica e a confiança no sistema integrado de precedentes sofram os menores impactos negativos possíveis”, ele afirma.
Além disso, acrescenta, o STF, desde 2011, vinha se negando a julgar, por meio de repercussão geral, as discussões referentes à definição das verbas — se indenizatória ou remuneratória — para fins de incidência da contribuição previdenciária.
“Impossível desconsiderar que o julgamento de mérito e o reconhecimento da constitucionalidade da incidência da contribuição previdenciária sobre o terço de férias contrariam um arcabouço jurisprudencial que envolve precedentes desta Corte e do Superior Tribunal de Justiça”, conclui.
Ele chama a atenção que essa decisão pode reverberar, inclusive, em outras matérias com jurisprudência pacificada. Entre elas, a incidência da contribuição do empregado sobre o terço de férias.
Até a noite de terça-feira, faltavam os votos dos ministros Cármen Lúcia, Edson Fachin, Luiz Fux, Nunes Marques e Rosa Weber. Eles podem apresentar pedido de vista ou de destaque, o que, se ocorrer, suspende as discussões, adiando, portanto, a conclusão do caso.
Fonte: Valor Econômico (Editado)
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