A Receita Federal disse, em documento oficial, não descartar futuro debate sobre o tributo, mas afirmou que há medidas mais eficientes para reduzir a desigualdade social no país.
A discussão sobre a criação de um imposto sobre grandes fortunas está crescendo a cada dia, mas encontra muita resistência para ser viabilizada. A ideia é defendida por parlamentares, mas causa resistência ao ministro da Economia, Paulo Guedes. A Receita Federal também apresentou à Câmara dos Deputados críticas à proposta.
O fisco afirmou, em documento, que não descarta eventual debate sobre o tributo para reduzir a desigualdade social no país, mas afirmou que há medidas mais eficientes, como acabar com programas de Refis (parcelamento de dívidas com a União com descontos), taxar a distribuição de lucros e dividendos e mudar tributação sobre o mercado de capitais.
Além disso, a Receita também afirma que há dificuldades sobre como estabelecer o critério para as fortunas — como mensurar a riqueza, o patrimônio de cada um. Como exemplos, citou obras de arte e direitos autorais.
Diante dessas dificuldades, o órgão defende que o sistema poderia ser burlado facilmente se houver, por exemplo, a transferência de parte do patrimônio para outros países ou a divisão com outras pessoas.
Em documento, a Receita ainda cita que o imposto sobre grandes fortunas chegou a ser adotado por alguns países e, depois, foi abandonado.
Resistência no governo
Os argumentos apresentados pelo ministro Paulo Guedes são muito parecidos. Ele defende que esse novo tributo poderia gerar fuga de investidores. Isso forçaria o capital a ir para países onde não há a taxação, reduzindo a oportunidade de novos negócios e empregos.
No fim do ano passado, o Congresso da Argentina aprovou a criação de um mecanismo que ficou conhecido como imposto sobre grandes fortunas. O novo tributo é uma taxa extraordinária, de recolhimento único, que será paga por 12 mil argentinos com patrimônio acima de um patamar equivalente a R$ 12 milhões.
A medida gerou críticas de empresários do país vizinho e foi usada como argumento por Guedes para se posicionar contra o imposto.
O relator da reforma tributária, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), está sendo pressionado por outros partidos para incluir a discussão na proposta e já indicou que pode sim atender aos pedidos.
A Câmara discute desde 2019 um projeto para reformular o sistema tributário nacional. O governo tem participado de reuniões técnicas com a equipe de Ribeiro, mas as negociações políticas têm se sobressaído para a elaboração do relatório da reforma tributária, que só deve ser apresentado quando houver amplo apoio de partidos.
Taxação de lucros e dividendos
Para o economista Bráulio Borges, pesquisador associado do FGV/Ibre, a Receita Federal não deveria apresentar propostas, como taxação sobre lucros e dividendos, como uma alternativa ao imposto sobre grandes fortunas, pois “uma coisa não afasta a outra”. “Taxar dividendos é taxar renda [fluxo contínuo de rendimentos], e não a riqueza [patrimônio já conquistado]”.
Borges cita como exemplo uma comissão técnica do Reino Unido que, embora contrária anteriormente ao tributo sobre fortunas, recomendou a criação do imposto de forma temporária diante da crise da Covid-19.
A ideia, segundo ele, também deveria ser aplicada no Brasil, onde a desigualdade se agravou por causa da pandemia.
“Se o imposto é permanente, a tendência é, sim, de fuga de investimentos. Mas se é cobrado de por um período limitado, como cinco anos, a medida pode ajudar na recuperação da crise, além de ser uma questão de justiça”, afirmou Borges.
A gerente sênior da área tributária na Mazars Brasil, Sirlene Chaves, avalia que taxar as fortunas pode não ter o resultado esperado, pois os grandes contribuintes acabariam se esquivando da cobrança, adotando medidas para repartir a riqueza ou mesmo usar laranjas para escapar do fisco.
“A pergunta a ser feita é: quanto o país crescerá com isso? O imposto assustaria investidores”, disse.
Para Chaves, a reforma tributária deveria focar em mudanças no sistema que já existe, como criar alíquotas mais altas de IR (imposto de renda) para os mais ricos, taxar os imóveis com base no valor atual de mercado e criar um cobrança sobre distribuição de lucros e dividendos.
Ribeiro e deputados também discutem essas medidas. Mas, na Câmara, esse debate não é visto como uma barreira à proposta de criação de um imposto sobre fortunas.
Oposição insiste na proposta
Partidos da oposição apresentaram uma proposta de tributação sobre renda e patrimônio para substituir o texto de reforma tributária que é discutido no Congresso. O documento, de deputados do PSB, Rede, PCdoB, PT, PDT e PSOL, se baseou em uma iniciativa de economistas e sindicatos de auditores fiscais da Receita chamada “Tributar os super-ricos para reconstruir o país”.
O grupo produziu estudos e elaborou o texto da proposta. Além de ações como novas faixas do Imposto de Renda, aumento da tributação sobre lucro e mudança na cobrança sobre heranças, a medida propõe a regulamentação do imposto sobre grandes fortunas.
A Constituição já estabelece que cabe à União instituir o imposto sobre grandes fortunas, mas ressalta que os termos da cobrança devem ser aprovados por meio de uma lei complementar. Isso nunca foi feito pelo Legislativo e, na prática, o tributo não existe no país.
Cobrança em fases
A proposta da oposição prevê duas fases de incidência. Nos primeiros cinco anos, as alíquotas seriam mais altas, com objetivo de suprir demandas criadas no país após a pandemia do novo coronavírus.
Inicialmente, a cobrança seria de 1% ao ano para contribuintes com patrimônio entre R$ 10 milhões e R$ 40 milhões, 2% para valores acima de R$ 40 milhões até R$ 80 milhões, e 3% para fortunas superiores a R$ 80 milhões. O imposto incidiria apenas sobre os valores que ultrapassam esses patamares, e não sobre o patrimônio total.
A partir do sexto ano, incidiria sobre as mesmas faixas de riqueza, mas com alíquotas menores, respectivamente, de 0,5%, 1,0% e 1,5% ao ano.
Coordenador dos estudos, o professor do Instituto de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) Eduardo Fagnani afirma que a calibragem da proposta prevê que 59 mil pessoas passariam a pagar o tributo, o que corresponde a 0,028% da população brasileira.
A arrecadação estimada do novo imposto seria de R$ 40 bilhões ao ano, valor superior ao orçamento do Bolsa Família.
Na avaliação de Fagnani, o argumento de que as pessoas tentariam burlar o sistema para fugir da Receita não é uma crítica ao imposto, mas sim à fiscalização, que poderia ter novos mecanismos de controle.
Para o professor, a medida seria uma forma de reduzir a desigualdade social do Brasil e minimizar injustiças do sistema tributário, que atualmente pesa mais sobre os ombros das famílias de menor renda.
“Em função da gravidade desta crise, com uma grande parcela da população sem trabalho e renda, será que não é adequado que 59 mil pessoas contribuam para que 40 milhões possam ter uma renda básica?”, afirmou. Fonte: Contábeis
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