Magistrados entendem que só em casos de ato de inegável gravidade pode ser determinada a retirada de um minoritário de uma sociedade
O Judiciário tem entendido que minoritário não pode ser excluído de uma sociedade por apenas discordar dos demais sócios.
Há decisões de primeira e segunda instâncias e até do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinando a reinclusão de sócios que provaram não ter cometido nenhuma falta grave, que justificasse a retirada.
Essas decisões, segundo especialistas, mostram uma mudança na jusrisprudência. “Até pouco tempo, existia uma certa tolerância à exclusão de sócios minoritários. Uma mera discordância poderia gerar a quebra do affectio societatis [vontade de se associar]”, diz o professor de Direito Comercial da Universidade de São Paulo (USP).
Para ele, a mudança é positiva porque o Brasil caminhava no sentido oposto de quase todos os outros países do mundo, que em geral não aceitam a retirada de sócio. “A ideia é ter um olhar na perspectiva da empresa e não dos sócios. É algo mais sério que um casamento. O sócio está colocando seu patrimônio e, em regra geral, não pode tirá-lo”, diz.
No Brasil, contudo, existe uma exceção, e sócios podem ser excluídos caso haja ato de “inegável gravidade”, que possa ensejar justa causa. A questão está definida no artigo 1.085 do Código Civil.
Com base nesse dispositivo, um sócio minoritário, que detinha 40% da participação da P4 Engenharia, obteve sentença favorável na 2ª Vara Regional de Competência Empresarial e de Conflitos Relacionados à Arbitragem em São Paulo. A decisão determina sua reintegração.
No processo, alega que em dezembro de 2020 foi convocado para uma reunião formal de sócios que tinha como ordem do dia uma proposta de aumento de capital social, por meio de tomada de empréstimos, e que, por recusá-la, acabou excluído da sociedade. Mesmo com seu voto contrário, a proposta foi aprovada.
Após a reunião, o sócio enviou notificação extrajudicial para tentar impedir a efetivação dos empréstimos, mas não obteve sucesso. Com base nessa documentação e no seu voto contrário, na reunião, ele foi excluído da sociedade, em janeiro de 2021, segundo afirma no processo.
Em sua decisão, porém, a juíza Andréa Galhardo Palma entendeu que a exclusão de um sócio pelos demais só pode ser validada em caso de falta grave ou ato de inegável gravidade, aptos à colocar em risco a atividade empresarial. “A simples quebra da affectio societatis, ou seja, eventuais desentendimentos entre os sócios, não é motivo suficiente para fundamentar a exclusão", diz (processo n º1000422-16.2021.8.26.0068).
Na decisão, ela cita dois precedentes recentes do Tribunal de Justiça de São Paulo (processos nº 1018472-86.2019.8.26.0577 e nº 1128795-76.2015.8.26.0100). A juíza, além de determinar a reintegração, anulou as assembleias que trataram da contratação dos empréstimos e de sua exclusão.
“Ante a não configuração de falta grave ou do cometimento de ato de inegável gravidade pelo requerente na direção da empresa requerida [P4 Investimentos], a procedência desta ação é medida que se impõe”, afirma.
De acordo com o advogado, que assessora o sócio minoritário no processo, a sentença é uma garantia de que o Judiciário confere ao sócio minoritário a liberdade de expressão. “O meu cliente apenas manifestou sua opinião contrária, o que é direito de cada sócio. Mas isso significou pena máxima de exclusão da sociedade", diz.
Ele acrescenta que, apesar de o Judiciário ter como posicionamento a interferência mínima nas decisões empresariais, deve estabelecer limites, quando se trata de exclusão de minoritário que não cometeu falta grave.
Os Advogados, que também atuou no processo, afirma que “trata-se de uma importante resposta do Judiciário, no sentido de coibir abusos do sócio majoritário em sociedades limitadas, principalmente que culminem na exclusão do sócio minoritário”.
Já foi apresentado recurso contra a sentença e pedido de efeito suspensivo para a reintegração, de acordo com o advogado que assessora os demais sócios e a P4 Engenharia. Ele afirma que, no caso, respeitou-se o devido processo legal. “Ele cometeu atos de inegável gravidade que levaram ao rompimento da affectio societatis”, diz.
Para o advogado e professor , a sentença parece ter sido acertada. O uso da justa causa, afirma, tem que ser visto de forma restrita, apenas em situações que atrapalhem o desenvolvimento dos negócios. Por exemplo, o caso de um sócio que está endividado, com nome sujo, prejudicando a reputação da empresa, que não consegue financiamento por conta da situação.
No caso das sociedades limitadas, o conceito da justa causa, acrescenta o advogado, pode ser melhor regulamentado no contrato social, para listar as situações aceitas. “Nesse caso da sentença, aparentemente o que levou a exclusão foi uma disputa entre os sócios, um motivo completamente fútil à vida societária.”
No STJ, há decisões no mesmo sentido. Um dos casos foi relatado pela ministra Nancy Andrighi, na 3ª Turma. Ela afirma que, “para exclusão judicial de sócio, não basta a alegação de quebra da affectio societatis, mas a demonstração de justa causa, ou seja, dos motivos que ocasionaram essa quebra (REsp 1.129.222-PR).
As decisões, segundo o advogado, confirmam o que diz o próprio Código Civil, de que essa exclusão só pode ser motivada por justa causa. Com isso, diz, evita-se condutas oportunistas, como a retirada de sócios, em um empresa muito lucrativa, para uma maior distribuição de lucros. “Essa visão do artigo 1.085 do Código Civil protege o próprio relacionamento entre os sócios.”
Por outro lado, afirma o advogado, caso o sócio queira sair da sociedade, ele tem a garantia constitucional de não permanecer associado a ninguém. Nesse caso, basta vender suas quotas. Mas para excluir um sócio, somente com justa causa. “Não caberia aos outros sócios dizer que há falta do affectio societatis.”
Fonte : Valor Econômico.
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