Empresas não conseguiram apurar créditos sobre itens como álcool em gel, máscaras e luvas
A discussão sobre a possibilidade de aproveitamento de créditos de PIS e Cofins sobre despesas decorrentes da pandemia da Covid-19 às empresas, como máscaras, álcool em gel e itens para proporcionar o home office dos funcionários, começou a chegar no Judiciário. E, até o momento, os resultados têm sido desfavoráveis aos contribuintes. Segundo a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), há cinco registros de processos sobre a questão em seu sistema e, em três os pedidos dos contribuintes foram julgados improcedentes. Outros dois são agravos de instrumento contra o deferimento anterior de liminar.
De acordo com a PGFN, não há registro de litígios do gênero que tenham chegado ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) de modo a criar uma jurisprudência sobre o tema. Por isso, especialistas consultados pelo JOTA acreditam que, sem decisões no tribunal administrativo e em instâncias judiciais superiores, é possível que o contribuinte peça o creditamento e tenha sucesso.
As poucas decisões judiciais sobre o assunto foram proferidas pela Justiça Federal de São Paulo. Em uma delas, a empresa AEA Distribuição e Comércio de Materiais Elétricos Ltda pleiteou o direito de classificar as despesas necessárias para enfrentar a pandemia como insumo para crédito de PIS e Cofins, conforme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no REsp 1.221.170/PR.
A empresa informou em juízo que implementou sistemas de trabalho remoto, sistemas de rodízio de colaboradores, instalação de dispensadores de álcool em gel, disponibilização de máscaras, luvas, óculos e procedimentos de limpeza mais minuciosos, entre outros métodos. Afirmou ainda que as medidas geraram gastos extraordinários e que já está fragilizada com as incertezas do mercado e o risco de uma recessão econômica.
Em sua defesa, a União alegou que, no caso dos autos, as despesas elencadas pela autora não pertencem ao contexto do processo produtivo, já que sua atividade se resume à revenda de mercadorias acabadas. Portanto, não cabe o aproveitamento dos créditos.
Na sentença, a juíza Sylvia Marlene de Castro Figueiredo entendeu que não pode ser considerado insumo o pagamento feito pelas despesas decorrentes da adoção de medidas para contenção da pandemia, como forma de prevenir o contágio no ambiente de trabalho e manter suas atividades econômicas, bem como para atender as recomendações sanitárias exigidas pelas autoridades competentes.
“O disposto na Leis nº 10.637/2002 e na Leis nº 10.833/2003 não pode ser interpretado extensivamente para assegurar ao autor o creditamento tal como pretendido, visto que as hipóteses de exclusão do crédito tributário devem ser interpretadas literalmente e restritivamente, não comportando interpretação extensiva, à luz do art. 111, I, do CTN [Código Tributário Nacional]”, escreveu a magistrada.
Em outro processo, movido pela Forusi Forjaria e Usinagem Ltda, o contribuinte afirmou que as medidas de contenção do coronavírus implicaram em gastos extraordinários para a empresa, “que já está fragilizada com as incertezas do mercado e o risco de uma evidente recessão econômica”. No entanto, a juíza federal Raquel Fernandez Perrini negou o pedido.
Segundo ela, “em linhas gerais, quando se fala em ‘insumo’, inegável que deve existir direta aplicação no processo produtivo e vinculação intrínseca do bem ou serviço com a atividade da empresa, o que não ocorre com as despesas havidas para enfrentamento da pandemia”. E complementa: “não há como adotar genericamente, como quer a autora, que toda e qualquer despesa para enfrentamento da pandemia seja classificada como insumo”.
Receita Federal
Questionada pelo JOTA, a Receita Federal informou que não tem normativo específico sobre o tema, assim como não há informações sobre autuações a contribuintes que fizeram creditamento de PIS e Cofins sobre produtos usados para o combate à pandemia. Em nota, o órgão informou que o parecer normativo Cosit nº 5, de 2018, detalha o que pode e o que não pode ser considerado insumo para efeitos de creditamento. “Ele trata da questão dos insumos de forma geral, mas pode perfeitamente ser aplicado a produtos vinculados à questão da pandemia”.
A Receita informou ainda que o contribuinte poderá tomar crédito se o produto que ele adquiriu se enquadrar no conceito de insumo, conforme as diretrizes estabelecidas no parecer. “Ressalte-se que essas diretrizes são bastante abrangentes, permitindo o creditamento em situações que há algum tempo a Receita entendia impossível. O parecer foi editado em consonância ao decidido pelo STJ em recurso repetitivo sobre o tema de insumos”.
Aproveitamento
Por ser tratar de um tema recente, possíveis controvérsias sobre o assunto não chegaram ao Carf, por isso, não há jurisprudência sobre esse creditamento no tribunal administrativo. E, mesmo no Judiciário, os tributaristas explicam que as decisões ainda são pontuais. Por isso, o contribuinte que quiser tomar os créditos pode fazê-lo, se atentando a algumas condições.
Pedro Lima, conselheiro do Carf e autor do livro “Aproveitamento de Crédito de PIS e Cofins não-cumulativos sobre os dispêndios realizados nas Aquisições de Insumos Pandêmicos” explica que para que o creditamento seja aceito pelo fisco é necessário que a empresa siga dois passos: o primeiro, ela precisa comprovar as despesas e, no segundo momento, demonstrar a essencialidade e a relevância, conforme ficou definido no STJ.
“E aí que vem uma longa análise sobre isso, porque é um conceito aberto, não é um rol taxativo, então depende de interpretação. O contribuinte precisa aplicar o conceito de essencialidade e relevância com base, principalmente, nos precedentes do Carf”.
De acordo com Pedro, a análise da jurisprudência do Carf sobre situações fora da pandemia é importante para analisar se o fisco aceitará o aproveitamento dos créditos de PIS e Cofins sobre os insumos pandêmicos. “O Carf criou uma jurisprudência, um conceito intermediário de insumo, que é um pouco mais alargado do que o conceito de insumo utilizado no IPI. No IPI, só é considerado insumo a matéria-prima, o produto intermediário e o material de embalagem. Já no PIS/Cofins vai além”.
O advogado explica que, como não há normativo específico sobre o tema, as empresas podem ser autuadas, porém, ele entende que o creditamento é possível. “Gasto decorrente de uma imposição legal pode gerar crédito para PIS e Cofins. E o que a gente vê? Houve a declaração de estado de calamidade pelo Congresso, então tem uma norma falando que existe um período de calamidade”, afirma.
“O Ministério Público do Trabalho vem exigindo que as empresas protejam os seus funcionários da doença sobre risco de sofrer uma autuação de segurança do trabalho. Então, pelas normas regulamentares, a empresa tem que ofertar máscara, álcool em gel, termômetro, tem que garantir um ambiente de trabalho insalubre. Assim, no nosso entender, advém o direito do contribuinte de tomar esse crédito”, complementa.
Na análise dos advogados , a pandemia da Covid-19 é uma situação extremamente nova e, portanto, possíveis conflitos sobre o assunto podem demorar a chegar no Carf. Eles entendem que empresas comerciais podem ter mais dificuldades na garantia do crédito do que as industriais.
Os tributaristas defendem que, diante da excepcionalidade da pandemia, a Receita poderá adotar uma postura menos restritiva em relação à tomada de créditos de PIS e Cofins do que vem tomando atualmente. “O fisco tributa a receita e os insumos são para garantir aquela receita. E eles não estão atrelados somente a receita do produtor de bens ou do prestador de serviço, são insumos de todos aqueles que são contribuintes para fins de recolhimento de PIS e Cofins”, defende Lobo.
“Os contribuintes podem provar que, tanto é essencial que o próprio governo diminuiu a tributação, tanto é essencial que o próprio governo flexibilizou as regras de desembaraço para acelerar a entrada desses produtos em território nacional”, complementa. Segundo eles, a tomada de decisão de tomar créditos ou não deve ser analisada caso a caso a depender da empresa e suas condições.
Processos citados na matéria: 5003996-98.2020.4.03.6110 TRF3, 5012198-94.2020.4.03.6100 TRF3
Fonte : JOTA.
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