Mudanças terão forte impacto na elaboração e na aprovação dos planos de Recuperação Judicial
A recente publicação da Lei nº 14.112/2020 alterou diversos dispositivos da Lei de Recuperação Judicial (Lei 11.101/2005) e da Lei do CADIN (Lei 10.522/2002), e seus efeitos já começaram a valer a partir de 23 de janeiro deste ano.
Tendo em vista os importantes impactos na gestão da dívida tributária pelos contribuintes de tributos federais, é possível apresentar uma síntese das principais alterações.
O primeiro ponto relevante é a limitação da regra do “período de permanência”, o qual diz respeito à possibilidade de suspensão da prática de atos constritivos contra a empresa devedora (por exemplo, penhora e arresto de bens), pelo período de 180 dias contados do ajuizamento da recuperação judicial. Com a nova legislação, esse prazo só poderá ser estendido uma vez, desde e apenas na hipótese de a empresa em recuperação apresentar plano alternativo.
Além disso, o Juízo da recuperação judicial passou a ter maior competência e autonomia no trato das medidas de constrição de bens do devedor, ainda que as cobranças estejam sendo feitas em execuções fiscais distribuídas a outros Juízos (por exemplo, Varas das Execuções Fiscais). E quanto à efetivação das referidas cobranças tributárias, o contribuinte deve se atentar que o regime jurídico das recuperações judiciais contempla um período de suspensão das cobranças dos débitos em geral (“período de espera”).
Trata-se do período de 180 dias, que começa a contar da data do ajuizamento da ação de Recuperação Judicial, para que o contribuinte possa elaborar o seu plano de recuperação sem ser surpreendido por medidas constritivas de seu patrimônio. Entretanto, não obstante o período de suspensão não atinja os credores extraconcursais e o curso das execuções fiscais, qualquer tentativa de constrição do patrimônio do devedor em recuperação judicial estará vedada durante o “período de espera”, na medida em que a decisão de suspensão proferida pelo Juízo da Recuperação Judicial é mandatória quanto aos demais processos judiciais.
As recentes alterações também trazem expressa vedação à distribuição de lucros e dividendos aos sócios e acionistas enquanto não aprovado o plano de recuperação judicial.
Além disso, os requerimentos de venda de ativos no curso da recuperação judicial implicarão na necessária intimação dos Fiscos (Federal, Estadual ou Municipal) interessados na ação.
Quanto à necessidade de apresentação de Certidão Negativa de Débitos – Tributários – CND (ou Positiva com efeitos de Negativa – CPEN), foi mantida a regra do art. 57 da Lei de Recuperação. E para reverter a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que se assentou no sentido da flexibilização dessa regra, houve a regulamentação dos parcelamentos e transações em recuperações judiciais por meio da introdução dos artigos 10-A, 10-B e 10-C na Lei nº 14.112/2020. Na prática, isso implicará na efetiva necessidade de apresentação de CND ou CPEN tributárias para efeito de aprovação do plano de recuperação judicial.
Outro ponto que chama a atenção são as condições beneficiadas para acordos de parcelamento dos débitos tributários das empresas em recuperação judicial, conforme as novas disposições fixadas com a introdução dos artigos 10-A, 10-B e 10-C na Lei 10.522/2002. Por exemplo: o parcelamento dos débitos tributários (ou não) existentes perante a Fazenda Nacional, vencidos ou não, inscritos em Dívida Ativa (ou não) até a data do protocolo inicial da recuperação judicial poderão ser parcelados em até 120 prestações mensais, distribuindo-se 0,5% da dívida nas 12 primeiras prestações, 0,6% da dívida entre as 13ª a 24ª prestações, e o saldo remanescente em 96 parcelas.
Há ainda a possibilidade de liquidação de até 30% da dívida consolidada referente aos débitos administrados pela Receita Federal por meio da utilização de prejuízo fiscal acumulado de Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e da utilização do saldo negativo de CSLL, e parcelamento do restante em até 84 prestações mensais. Do mesmo modo, a lei prevê o pagamento de 0,5% da dívida das parcelas um a 12, e de 0,6% da 13ª a 24ª, com o saldo remanescente quitado nas 60 prestações mensais subsequentes.
Também está previsto o parcelamento de tributos incidentes sobre os ganhos de capital havidos nas alienações de ativos da empresa, desde que comprovada a necessidade dessas alienações para a manutenção das atividades da empresa em recuperação. Assim como o parcelamento em até 24 vezes mensais e consecutivas de débitos (constituídos ou não, inscritos ou não em dívida ativa) referentes a tributos passíveis de retenção na fonte, descontados de terceiros ou sub-rogados, relativos a IOF retido e não recolhido.
A fruição desses parcelamentos requer do contribuinte a apresentação de “termo de compromisso”, prevendo: o fornecimento à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil e à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional de informações bancárias, incluídas aquelas sobre extratos de fundos ou aplicações financeiras e sobre eventual comprometimento de recebíveis e demais ativos futuros; o dever de amortizar o saldo devedor do parcelamento de que trata este artigo com percentual do produto de cada alienação de bens e direitos integrantes do ativo não circulante realizada durante o período de vigência do plano de recuperação judicial; o dever de manter a regularidade fiscal; o cumprimento regular das obrigações para com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
Apesar da previsão de necessidade de inclusão da totalidade dos débitos em aberto da empresa, fica ressalvada a possibilidade de excluir os débitos sujeitos a outros parcelamentos ou que comprovadamente sejam objeto de discussão judicial com oferecimento de garantia idônea e suficiente, aceita pela Fazenda Nacional em juízo; ou apresentação de decisão judicial em vigor e eficaz que determine a suspensão de sua exigibilidade.
São previstas como causas de exclusão/revogação: a falta de pagamento de seis parcelas consecutivas ou de nove parcelas alternadas; a falta de pagamento de uma até cinco parcelas, conforme o caso, se todas as demais estiverem pagas; a constatação de qualquer ato tendente ao esvaziamento patrimonial do sujeito passivo como forma de fraudar o cumprimento do parcelamento, a decretação de falência ou extinção, pela liquidação, da pessoa jurídica optante; a concessão de medida cautelar fiscal; declaração de inaptidão da inscrição no CNPJ; a extinção sem resolução do mérito ou a não concessão da recuperação judicial, bem como a convolação desta em falência; o descumprimento de quaisquer das condições previstas no termo de compromisso.
Também são previstas situações excepcionais para a realização de transação tributária com a fixação de prazo aumentado de até 120 meses (84 meses na Lei 13.988/2020) e redução de 70% (em contrapartida a de 50% prevista originalmente), a ser analisada pela Procuradoria de acordo com a sua conveniência, análise da recuperabilidade do crédito, proporção entre passivo fiscal e restante das dívidas da empresa, sem prejuízo do atendimento das condições dispostas no Termo Compromisso exigido para fins de parcelamento.
Também no bojo das recentes alterações, fica expressamente assegurada a possibilidade do Fisco de requerer a falência do devedor em recuperação Judicial quando este deixar de honrar os parcelamentos fiscais aderidos, as transações tributárias firmadas ou se constatar esvaziamento patrimonial que remeta à liquidação da empresa em prejuízo da Fazenda Pública e demais credores. O mencionado esvaziamento patrimonial se caracteriza quando se constata a falta de reserva de bens, direitos ou fluxo de caixa capazes de suportar a manutenção das atividades da empresa.
Outras consequências estão previstas ao contribuinte que descumprir os acordos com o Fisco, que são: a exigibilidade imediata da totalidade do débito confessado e ainda não pago, com o prosseguimento das execuções fiscais; a execução automática das garantias; o restabelecimento em cobrança dos valores liquidados com os créditos de prejuízo fiscal e base negativa de CSLL.
Ainda que sucintamente dissecadas, as recentes alterações na Lei de Recuperação Judicial e na Lei do CADIN terão forte impacto na elaboração e na aprovação dos planos de Recuperação Judicial, bem como na condução de todo o processo de turnaround das empresas inseridas nesta situação.
Fonte: JOTA
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