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Perfume, colônia e creme 'viram' desodorante para pagar menos impostos

  • 4 de dez. de 2020
  • 4 min de leitura

Por serem considerados artigos de luxo, perfumes, colônias e cremes cosméticos têm uma das mais altas cargas tributárias do Brasil. Porém, se o fabricante adicionar à fórmula uma substância desodorante, o produto pode ser classificado como de higiene pessoal, essencial para a população, e o imposto cai para um dos menores que há.


É por esse motivo que muitos daqueles produtos passaram a ser vendidos como "desodorante de colônia" (ou "deo colônia"), "desodorante corporal" ou "hidratante com efeito desodorizante".


A mudança na fórmula e no rótulo não é casual. Segundo pessoas ligadas ao ramo de cosméticos, mas que preferem não se identificar, o procedimento foi pensado para convencer a fiscalização de que aquele produto merece os benefícios tributários de um desodorante. Se o argumento cola, as empresas pagam menos imposto e conseguem vender mais barato (ou com maior margem de lucro).


Fabricantes anunciam perfumes, colônias e cremes como desodorantes


Essa estratégia é legal? Como quase toda pergunta no direito tributário, a resposta fica entre o sim e o não. De acordo com as indústrias, os produtos cumprem os requisitos da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para serem classificados como desodorantes. Assim, as fabricantes têm o direito de pagar o imposto menor.


Mas a fiscalização tributária dos estados e da União eventualmente considera que a manobra é fraudulenta.


Alguns casos foram debatidos em conselhos fiscais e na Justiça. A decisão costuma ser favorável às fabricantes, desde que o produto tenha de fato na fórmula uma substância desodorante dentro dos parâmetros da Anvisa.


Imposto de até 42%


O principal tributo em questão é o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), que é federal. A alíquota (porcentagem cobrada) depende da classificação do item em uma tabela. O imposto é calculado sobre o valor do produto que sai da fábrica ou do importador.


Para perfume, a alíquota é de 42%. Sobre creme de beleza, a Fazenda cobra 22%. Para água-de-colônia (perfume com menor concentração de fragrância), a alíquota é de 12%. Já o desodorante tem alíquota de 7%.


IPI sobre cosméticos e produtos farmacêuticos


Fonte: Receita Federal

A classificação do produto pode influenciar também na alíquota do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), que é diferente em cada estado. Assim como no IPI, é comum que a cobrança seja menor para produtos considerados essenciais.


Cosméticos podem ter mais de uma função


Em nota, a Anvisa afirmou que cosméticos normalmente têm mais de uma função. O mesmo produto pode ser, por exemplo, desodorante corporal e hidratante de pele, "não prevalecendo uma finalidade sobre a outra".


"Para o enquadramento dos produtos nas categorias são considerados itens como formulação, modo de uso, área de aplicação, finalidade e rotulagem", declarou a agência. Produtos que não estejam adequados aos parâmetros técnicos podem ter a regularização cancelada.


Alteração na fórmula é simples, dizem especialistas


Para ser considerado desodorante, o produto deve disfarçar o mau cheiro e ter na fórmula química alguma substância antisséptica, como o bactericida triclosan, um dos mais utilizados pela indústria. O desodorante é diferente do antitranspirante, que bloqueia glândulas do corpo para evitar o suor.


"O desodorante tem a função de camuflar o mau odor por certo tempo. Isso acontece pelo cheiro do produto e também pela substância que retarda a proliferação de microorganismos", afirma Maria Velasco, doutora de fármacos pela USP.


Segundo Letícia Cefali, professora de farmácia e química na Universidade Presbiteriana Mackenzie, incluir uma substância antisséptica em perfumes, colônias e cremes corporais é um procedimento simples.


As especialistas afirmam que, do ponto de vista técnico, não está errado rotular como desodorante um cosmético que tenha fragrância e ação bactericida.


Fisco pode questionar classificação e multar empresas


Fabrício Sarmanho, procurador da Fazenda Nacional, diz que o IPI mais alto para produtos supérfluos tem o objetivo de compensar alíquotas menores para itens essenciais. Alíquotas maiores também são usadas com o objetivo de desestimular o consumo de produtos que causam algum dano social, como armamentos, bebidas alcoólicas e cigarros.


Segundo o procurador, o problema da manobra fiscal usada pela indústria de cosméticos é que ela desloca um item que estava entre os mais tributados para o extremo oposto da tabela, onde ficam os produtos básicos para a população.


Sarmanho afirma que os critérios sanitários para determinar que um produto tem ação desodorante não obriga o Fisco a reconhecer essa classificação. "Não podemos olhar apenas o laudo químico, temos que ver a utilidade do produto."


Caso o Fisco comprove que o rótulo de desodorante é apenas um disfarce para o cosmético, a empresa pode ser condenada a recolher o imposto maior e pagar uma multa de até 150% sobre a diferença entres os valores. Associação nega irregularidade A Abiphec (Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos) afirmou que "a finalidade do desodorante e da propriedade desodorante, como o próprio nome diz, é desodorizar". Disse também que os produtos vendidos como desodorantes têm autorização da Anvisa e atendem às exigências sanitárias. O UOL procurou Avon, Jequiti, L'Óreal, Natura e O Boticário. Nenhuma delas respondeu até a publicação desta reportagem.


Fonte: Economia UOL

 
 
 

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