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Projeto de lei quer limitar cobrança de ICMS sobre itens essenciais


PLP 18/22 não necessariamente resolverá problema da alta dos preços dos combustíveis


Por meio do PLP 18/22, discute-se na Câmara dos Deputados a criação de alterações no Código Tributário Nacional (CTN) e na Lei Kandir, para expressar o caráter essencial e indispensável dos combustíveis, da energia elétrica, dos serviços de comunicação e de transporte coletivo. Nesta segunda-feira (23) foram também apensados ao projeto o PLP 72/2022 e o PLP 73/2022, que possuem teores similares e podem ser tratados conjuntamente.


A essencialidade segundo a Constituição e o STF


A essencialidade é critério eleito pela Constituição de 1988 para fixação das alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Embora para o IPI tenha sido determinada a obrigatoriedade da adoção da técnica da seletividade (“será seletivo, em função da essencialidade do produto”), para o ICMS ela é optativa (“poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços”). Ocorre que o IPI não incide sobre qualquer dos bens e serviços indicados no PLP 18/2022, de modo que deteremos a presente análise ao ICMS.


Ao facultar aos estados e ao Distrito Federal o uso da técnica da seletividade para o ICMS, a Constituição elegeu apenas um critério: o da essencialidade. Isso significa que, caso tais entes federados optem por manejar as alíquotas do ICMS sobre alguma mercadoria ou serviço, aumentando ou diminuindo em relação à alíquota padrão, deverão levar em consideração o critério da essencialidade.


O termo “essencialidade”, porém, é plurívoco, não traduzindo um conceito determinado. O adjetivo “essencial” pode se restringir ao produto ou ao serviço, por si sós, mas pode também se referir a outros aspectos do fato gerador do tributo, por exemplo:

1) ao adquirente ou ao tomador; 2) à quantidade de bens ou serviços da operação; 3) ao valor da operação; 4) ao local; 5) à causa da operação; ou até mesmo 6) à origem ou método de produção da mercadoria ou serviço.


Recentemente, o STF se debruçou sobre alguns aspectos da questão, sob o rito da repercussão geral, quando avaliou a legislação de Santa Catarina sobre as alíquotas de energia elétrica e de serviços de telecomunicação (RE 714.139/SC).


O legislador catarinense optou por atribuir a alíquota de 12% do ICMS sobre o consumo de energia elétrica por pequenos domicílios, que consumissem até 150 kW, e por cooperativas rurais, que gastassem até 500 kW. Para os demais consumidores de energia, determinou-se a aplicação da alíquota de 25%, consideravelmente superior à alíquota padrão daquele estado (17%). Por sua vez, todos os serviços de telecomunicação foram gravados com a alíquota de 25%.


Curioso notar que, embora os ministros tenham se posicionado em unanimidade sobre a inconstitucionalidade da alíquota de 25% sobre telecomunicações, divergiram em relação à adoção da alíquota de 25% sobre a energia elétrica. Para os ministros Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso, a legislação catarinense fez adequado uso da essencialidade, pois foi feita maior cobrança daqueles que consomem mais e que possuem maior capacidade contributiva.


Entretanto, prevaleceu o entendimento de que “a essencialidade da energia elétrica independe da classe na qual se enquadra seu consumidor (ou consumo) ou da quantidade de energia elétrica consumida”, conforme asseverou o ministro Dias Toffoli. Segundo ele, embora a legislação catarinense tivesse observado a eficácia positiva da seletividade, por meio da diminuição das alíquotas para o pequeno consumidor, ela violou sua eficácia negativa, razão pela qual a sua alíquota deve regredir ao patamar geral do tributo, passando a 17%.


Naquela oportunidade, o contribuinte também pleiteou a declaração de inconstitucionalidade da alíquota de 12% sobre as operações com energia elétrica destinadas a pequenos consumidores, pois estaria extrapolando a técnica da seletividade da mercadoria e avaliando a condição de seu destinatário.


Contra tal argumento, o ministro Dias Toffoli ponderou que o ICMS, para além de seu caráter seletivo, “pode levar em conta diversos elementos, tais como: a qualidade intrínseca da mercadoria ou do serviço; o fim para que se presta um ou outro; seu preço; a capacidade econômica do consumidor final; as características sociais, econômicas e naturais do país e do estado instituidor do imposto; a função extrafiscal da tributação etc.”


De acordo com a decisão do STF, não há óbices para que o legislador estadual pondere, em conjunto com a essencialidade, outros princípios norteadores do sistema tributário nacional para estabelecer as alíquotas do ICMS, tais como o da capacidade contributiva, como ferramenta de política fiscal. A esse respeito, exemplificou-se que podem também ser considerados essenciais equipamentos menos poluentes ou que possam modernizar um parque industrial, com base em outros princípios da Constituição.


Afinal, restou publicado pelo STF, em 18 de outubro de 2021, o Tema nº 745, com o seguinte teor: “Adotada pelo legislador estadual a técnica da seletividade em relação ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), discrepam do figurino constitucional alíquotas sobre as operações de energia elétrica e serviços de telecomunicação em patamar superior ao das operações em geral, considerada a essencialidade dos bens e serviços”.


Comentários sobre o PLP 18/22


Com base nos apontamentos acima, parece-nos importante ponderar a prescindibilidade da alteração proposta para o CTN, por meio da inclusão do artigo 18-A. Isso porque segundo a redação proposta para o caput do artigo 18-A (que estaria no Título III, Capítulo I do CTN, ou seja, disposições gerais sobre impostos): “Para fins da incidência de impostos sobre a produção, a comercialização, a prestação de serviços ou a importação, os combustíveis, a energia elétrica, as comunicações e o transporte coletivo são considerados bens e serviços essenciais e indispensáveis, não podendo ser tratados como supérfluos”.


Ocorre que, conforme consta da Constituição Federal, apenas o Imposto de Importação, o Imposto de Exportação e o ICMS incidem sobre operações relativas à energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do país e, quanto ao transporte coletivo, não há IPI. E, como vimos, apenas o IPI e o ICMS são impostos norteados pela técnica da seletividade, por meio do critério da essencialidade.


Diante deste cenário, parece-nos que bastaria a alteração da Lei Kandir, o que está também previsto no referido PLP. Portanto, não nos parece que seria necessária uma alteração do CTN, para incluir o artigo 18-A do CTN. De fato, apenas a alteração na Lei Kandir se faria pertinente, tendo em vista que o ICMS é o único tributo que seria impactado com a pretendida delimitação do critério da essencialidade. Aliás, o Imposto de Importação e o Imposto de Exportação são impostos regulatórios, logo, não submetidos ao critério de seletividade, a que o ICMS está sujeito.


Outra ponderação quanto ao PLP nº 18/2022 diz respeito ao entendimento de que a de que a lista de mercadorias e serviços indicadas seja considerada taxativa. Com isso, estados e o Distrito Federal estariam autorizados a deixar de utilizar o critério da essencialidade para bens notadamente essenciais que não estejam previstos no PLP, tais como os itens da cesta básica e os medicamentos. A esse respeito, alguns ajustes na redação dos dispositivos poderiam ser feitos, para que fosse demonstrado o caráter meramente exemplificativo dos itens ali arrolados.


Uma terceira ponderação sobre o projeto diz respeito à conjugação da essencialidade com outros valores constitucionais. Como vimos, o STF concluiu que o dimensionamento do ICMS “pode levar em conta outros elementos além da qualidade intrínseca da mercadoria ou do serviço”, tais como a capacidade contributiva do contribuinte, dentre outros aspectos de política fiscal (por exemplo, desestímulo a itens poluentes).


No caso dos combustíveis, pode-se esperar que, por exemplo, alguns estados privilegiem o consumo do etanol, reduzindo suas alíquotas. O mesmo poderia ser feito com a energia elétrica de origem fotovoltaica ou eólica. Entretanto, a redação proposta não traduz fielmente o entendimento firmado pelo STF, podendo gerar novos questionamentos acerca do uso de alíquotas menores, entre as mercadorias e serviços elencados no texto sugerido.


Especificamente no que diz respeito ao impacto sobre os combustíveis, é de se notar que o PLP 18/2022, aparentemente, não dialoga com a Lei Complementar 192, de 11 de março de 2022, que determinou a criação de uma alíquota uniforme em todo território nacional e específica (ad rem), por unidade de medida.


No caso do diesel, o CONFAZ determinou que a alíquota aplicável será de R$ 1 por litro do combustível. Neste caso, será necessário o apontamento de que a fixação neste parâmetro deverá estar em linha com o princípio da essencialidade, por meio de, por exemplo, uma demonstração de que a carga tributária é inferior, comparativamente com produtos não essenciais.


Merece também ser pontuado que, caso as diretrizes do Tema nº 745 do STF fossem efetivamente seguidas por todas as instâncias administrativas e judiciais do país, seria – em primeira análise – desnecessária a alteração proposta por meio do PLP 18/2022.


Contudo, considerando-se que a decisão proferida no RE 714.139/SC se restringiu à energia elétrica e ao serviço de telecomunicação, o projeto inova ao incluir os combustíveis e os serviços de transporte coletivo como elementos essenciais à população, podendo levar a um ajuste espontâneo de suas respectivas alíquotas, por meio dos entes arrecadadores. Isso também reforça a importância de que a redação do PLP não seja vista como taxativa, conforme mencionado acima.


Por outro lado, é de se esperar que a alteração legislativa tenha sua constitucionalidade questionada no STF, sob o argumento de afronta à autonomia financeiro-tributária dos estados e do Distrito Federal. Ainda, pode-se supor que alguns Estados busquem manter a diferenciação hoje existente entre combustíveis diversos, com base em critérios da própria essencialidade.


Por exemplo, hoje o estado de São Paulo aplica a alíquota de 12% para o etanol hidratado, o óleo diesel e o biodiesel, ao passo que utiliza a alíquota de 25% para a gasolina, distinções que poderiam teoricamente ser defendidas, com base no RE 714.139/SC.


Continuando no exemplo de São Paulo, caso seja convertido em lei o PLP 18/2022, as alíquotas da gasolina teriam de passar a equivaler a 18%, o que prejudicaria o orçamento estadual. Nessa toada, não há garantias de que o tratamento seja mantido para os demais itens. Isto é, para proceder ao reequilíbrio de suas contas, tanto as alíquotas do etanol e do diesel poderão ser majoradas quanto a alíquota geral poderá ser modificada, passando, por exemplo, ao patamar de 20%, impactando todas as operações com mercadorias e serviços do estado.


Ainda, o PLP parece em nada agregar no tocante à simplificação da sistemática de tributação, ponto que é sempre lembrando quando se trata dos textos de reforma tributária que estão sendo discutidos no Congresso.

Finalmente, embora o PLP 18/2022 poderia levar à diminuição pontual da carga tributária sobre algumas mercadorias e serviços, não necessariamente levaria à solução do problema da alta dos preços dos combustíveis, tendo em vista que há outros fatores que têm se mostrado mais determinantes na formação do preço pago pelo consumidor final.


No CTN, seria acrescido o artigo 18-A, com o seguinte teor:

“Art. 18-A Para fins da incidência de impostos sobre a produção, a comercialização, a prestação de serviços ou a importação, os combustíveis, a energia elétrica, as comunicações e o transporte coletivo são considerados bens e serviços essenciais e indispensáveis, não podendo ser tratados como supérfluos.


Parágrafo único. Para o efeito do disposto neste artigo, é facultado ao ente federativo competente a aplicação de alíquotas reduzidas em relação aos bens referidos no caput, como forma de beneficiar os consumidores em geral.”


Na Lei Kandir, seria acrescido o artigo 32-A:

“Art. 32-A As operações relativas aos combustíveis, à energia elétrica, às comunicações e ao transporte coletivo, para fins de incidência de imposto previsto nesta Lei, são considerados bens e serviços essenciais e indispensáveis, não podendo ser tratados como supérfluos.


Parágrafo único. Para o efeito do disposto neste artigo, é facultado ao ente federativo competente a aplicação de alíquotas reduzidas em relação aos bens referidos no caput, como forma de beneficiar os consumidores em geral.”


Art. 153, §3º, inc. I, da CF.

Art. 155, §2º, inc. III, da CF.


Nos termos do voto do ministro Alexandre de Moraes, “o tratamento diferenciado foi estabelecido pelo Estado justamente com vistas a equalizar o ônus das operações com energia elétrica, de modo a cobrar mais de quem consome mais e possui maior capacidade contributiva, e cobrar menos de quem consome menos e possui menor capacidade contributiva.”


SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. 9ª ed., São Paulo: Saraiva, 2019, p. 426.

Art. 155, §3º, da CF.


Fonte : Jota.

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