Decisão unânime, proferida pela 1ª Turma, é inédita no STJ, segundo especialistas
O setor do varejo conseguiu uma decisão importante, ontem, na 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ficou definido, por unanimidade de votos, que a União não pode cobrar PIS e Cofins sobre bonificações e descontos obtidos na aquisição de mercadorias.
A decisão seria inédita na Corte. Essa é a primeira vez que a turma julga o tema e, segundo tributaristas, não há ainda posicionamento na 2ª Turma - que também trata das questões de direito público no STJ.
Especialistas dizem que bonificações e descontos são comuns no mercado. Os fornecedores geralmente diminuem os preços para o comprador em troca, por exemplo, de divulgação especial ou exposição de suas mercadorias em locais privilegiados nas lojas.
Ter que incluir esses valores no cálculo do PIS e da Cofins, frisam, poderia aumentar consideravelmente a conta a pagar ao governo federal.
O embate entre União e contribuintes começou a ganhar força no ano de 2017, quando a Receita Federal editou norma para que todos os fiscais do país passassem a exigir PIS e Cofins sobre valores em dinheiro e abatimentos recebidos de fornecedores. Trata-se da Solução de Consulta nº 542, da Coordenação-Geral de Tributação (Cosit).
No caso de bonificações - em que o fornecedor entrega mais quantidade de mercadoria do que a contratada pelo comprador -, o posicionamento está na Solução de Consulta Cosit nº 202, de 2021.
A Receita Federal entende que bonificações e descontos são receitas e devem integrar a base de cálculo das contribuições. Para as varejistas, por outro lado, seriam apenas “redutores de custo”. Ou, sendo receita, teriam que ser caracterizadas como de natureza financeira, sujeitas à alíquota zero.
Esse tema começou a ser julgado na 1ª Turma do STJ no fim do ano passado e já naquela ocasião os ministros sinalizavam que dariam razão aos contribuintes.
Proferiram votos a relatora, ministra Regina Helena Costa, e o desembargador Manoel Erhardt, que atuava temporariamente como ministro. Ambos contra a tributação.
Regina Helena afirmou, ao abrir as discussões, que a base de cálculo do PIS e da Cofins no regime não cumulativo é composta pelas receitas obtidas pela empresa no mês. E, no seu entendimento, os descontos não entram no conceito de renda.
“Não há como transformar as despesas do varejista em receitas”, disse ela, acrescentando que “desconto não é parcela apta a levar a tributação de PIS e Cofins”.
O julgamento foi interrompido, naquela ocasião, por um pedido de vista do ministro Gurgel de Faria. Ele reabriu as discussões, na sessão de ontem, e acompanhou o entendimento da relatora.
Gurgel classificou os descontos como “meros redutores” dos custos de aquisição de mercadorias e tratou a tributação como uma “premissa equivocada” do Fisco.
“Sob o ponto do varejista, na relação comercial havida com seus fornecedores os descontos e bonificações não configuram receita, mas despesa decorrente de aquisição de produtos ainda que presentes tais benefícios”, afirmou.
O ministro Sérgio Kukina também proferiu voto ontem e concordou com os colegas que já haviam se manifestado. A turma tem cinco integrantes, mas o ministro Benedito Gonçalves não estava presente na sessão de abertura do julgamento, no ano passado - ocasião em que os advogados defenderam os seus clientes na tribuna - e, por esse motivo, não participou da votação.
“Receita implica necessariamente ingresso financeiro ao contribuinte, o que evidentemente não ocorre quando o fornecedor concede descontos ao adquirente da mercadoria”, diz a tributarista Isabella Paschoal, do escritório Caputo, Bastos e Serra Advogados.
Para a especialista, caso prevalecesse o entendimento fazendário, haveria uma “subversão do conceito de receita” e essa nova condição poderia impactar outras situações tributárias.
O caso analisado pela 1ª Turma do STJ envolve a Cencosud Brasil. A empresa buscava afastar cobrança feita pela Receita Federal por não incluir os valores referentes a bonificações e descontos no cálculo do PIS e da Cofins entre abril de 2006 e dezembro de 2010.
Em sustentação oral, a advogada Ariane Guimarães, sócia do escritório Mattos Filho, que defende a varejista, havia destacado aos ministros, principalmente, a questão dos descontos. “Não há que se falar em receita”, frisou. A advogada citou também recente precedente do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) favorável aos contribuintes.
Representante do Instituto de Defesa do Varejo (IDV), que é amicus curiae (parte interessada) na ação, a advogada Betina Treiger lembrou aos ministros - também na abertura do julgamento - que há acordos comerciais pela redução do custo do produto, para que seja repassada ao consumidor final.
“O desconto é irrelevante sob a perspectiva do varejista. A relevância do desconto se dá para o fornecedor, que vai ter redução no preço do produto vendido”, disse a advogada.
O procurador Sandro Soares, da Fazenda Nacional, citou, por outro lado, que em razão de concentração no varejo impõe-se aos fornecedores o pagamento de pedágio, que se tenta qualificar como descontos e bonificações (REsp 1836082).
Fonte: Valor Econômico
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