Autuações fiscais aplicadas pela Receita Federal têm como base decisão do Supremo de 2015
A Justiça tem mantido cobranças milionárias da Receita Federal contra grandes indústrias e o agronegócio pelo não recolhimento do adicional da contribuição aos Riscos Ambientais do Trabalho (RAT), pago quando há empregados com direito à aposentadoria especial. Os valores são referentes a trabalhadores expostos a ruídos e tem como base decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2015.
Os ministros entenderam, em repercussão geral, que se a empresa fornece equipamento de proteção individual (EPI) eficaz, o empregado não tem direito a se aposentar com menos tempo de serviço - e, nesse caso, o contribuinte está livre do adicional. Abriram uma exceção, porém, aos casos de funcionários expostos a ruídos (ARE 664335).
Com base nessa exceção, a Receita editou norma e passou a cobrar os contribuintes, inclusive de forma retroativa. Pelo Ato Declaratório Interpretativo nº 2, de 2019, mesmo que sejam adotadas medidas de proteção que neutralizem o grau de exposição do trabalhador a níveis legais de tolerância, o adicional do RAT é devido nos casos em que não puder ser afastada a concessão de aposentadoria especial.
Com as autuações, muitos contribuintes foram ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Mas as decisões foram desfavoráveis. Agora, a questão começa a ser discutida na Justiça e há posicionamentos contrários às empresas em três Tribunais Regionais Federais (TRFs) - 1ª, 4ª e 5ª Regiões -, segundo balanço realizado pelo escritório.
Nas ações, os contribuintes alegam que, com base na Lei nº 8.213, de 1991, estão liberados do pagamento quando adotam medidas de proteção aos funcionários e que os ministros, no julgamento, não trataram do adicional do RAT.
A conta é pesada. As empresas pagam o adicional conforme o tempo de aposentadoria a que o seu funcionário tem direito - 15, 20 ou 25 anos. Se o empregado precisar trabalhar só 15 anos, o empregador terá de recolher o percentual máximo de 12%, o que pode totalizar 15% (1%, 2% ou 3% da alíquota básica do RAT mais 12% do adicional) sobre a remuneração daquele funcionário. Se forem necessários 20 anos para o empregado requerer a aposentadoria, a alíquota adicional será de 9%. No caso de 25 anos, o acréscimo será de 6%.
Por isso, os contribuintes contestam as cobranças. Porém, no TRF da 4ª Região, com sede em Porto Alegre, uma indústria não conseguiu anular um auto de infração. A decisão, da 2ª Turma, foi unânime (processo nº 5062852-74.2020.4.04.7000).
O relator no TRF, juiz federal convocado Alexandre Rossato da Silva Ávila, diz na decisão que desde 2015 está definido pelo Supremo que a exposição ao ruído acima dos limites legais de tolerância “assegura direito à aposentadoria especial, desimportando declaração do empregador sobre eficácia do equipamento de proteção individual” e que, nessa situação, “é inquestionável que a contribuição sobre a remuneração paga a trabalhadores a ele submetidos deve ser recolhida com o adicional.”
No TRF da 1ª Região, com sede em Brasília, em decisão monocrática, a relatora, juíza federal convocada Rosimayre Gonçalves de Carvalho, negou liminar a uma indústria que pedia para a Receita Federal se abster de cobrar o adicional do RAT. Em análise sumária, afirma que “não se pode olvidar que a tese consagrada pelo STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, de modo que, ainda que integralmente neutralizado, evidencia-se o trabalho em condições especiais”.
De acordo com a juíza, a finalidade da alíquota adicional é exatamente o custeio da aposentadoria especial e a sua exigibilidade, “encontra amparo no ordenamento jurídico” (processo nº 1035016-32.2020.4.01.0000). Há também precedente nesse sentido da 1ª Turma do TRF da 5ª Região, com sede em Recife (processo nº 2005.80.00.008420-0).
Para o advogado, as decisões não aplicam a melhor solução jurídica. Primeiro porque, acrescenta, o acórdão do Supremo não abrange o custeio previdenciário.
“Inclusive houve manifestação de ministros no sentido de que o reconhecimento do direito à aposentadoria especial, no caso de exposição ao ruído, mesmo com fornecimento de EPI, não implicaria despesa sem fonte de custeio, já que o sistema a suportaria, com o recolhimento da alíquota básica do RAT pelo empregador”, diz o advogado.
As decisões também desconsideram, segundo Cardoso, o caráter extrafiscal do adicional do RAT, de induzir ao investimento em equipamentos e medidas de proteção ao trabalhador. “Isso fica prejudicado com a exigência do adicional do RAT, mesmo quando o empregador fornece o EPI.”
Cardoso destaca, contudo, que são ainda pouquíssimos precedentes de segunda instância a respeito. “O tema é muito preocupante, principalmente para grandes indústrias, tendo em vista o valor das autuações e o risco de contingências daquelas que ainda não foram autuadas”, afirma.
O Advogado, reforça que a discussão é nova e que ainda não existem decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do STF sobre o tema. Para ele, como o Supremo só tratou da discussão sobre aposentadoria, a Receita não poderia autuar os contribuintes de forma retroativa.
Somente no Ato Declaratório Interpretativo nº 2, de 2019, o órgão afirma que incide o adicional do RAT, segundo Cunha. Até então, estava em vigor a Instrução Normativa nº 971, de 2009, que isentava o contribuinte que fornecesse equipamento de proteção de recolher o tributo, mesmo no caso de ruído.
Ele assessora uma empresa que conseguiu sentença favorável, na 2ª Vara Federal de Criciúma (SC). A decisão, do juiz federal Marcelo Cardoso da Silva, afastou autuação fiscal que cobrava o adicional referente ao ano de 2016. A União recorreu e o caso está pendente de análise no TRF da 4ª Região (processo nº 5005082-93.2020.4.04.7204).
A questão constou do Plano Anual de Fiscalização de 2019, da Receita Federal. Pelo documento, o último divulgado pelo órgão, havia indícios de irregularidades em mais de 370 empresas e os valores estimados em arrecadação eram de R$ 946,5 milhões. Mas o valor dos lançamentos efetuados naquele ano correspondeu a R$ 347,4 milhões.
Procurada pelo Valor, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) não deu retorno até o fechamento da edição.
Fonte : Valor Econômico.
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