Desembargadores manifestaram entendimento de que condicionante não viola princípios legais nem constitucionais
Tribunais de diferentes regiões do país têm validado a exigência de inscrição regular no Cadastro de Prestadores de Serviços Turísticos (Cadastur) para que empresas tenham acesso aos benefícios fiscais do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse).
A contragosto dos contribuintes, desembargadores federais manifestaram entendimento de que a condição imposta pelo Ministério da Economia — hoje Ministério da Fazenda — para delimitar que negócios teriam direito ao Perse não viola princípios legais nem constitucionais.
O requisito foi implantado pela Portaria ME 7.163/2021 e, depois, pela 11.266/2022, que especificaram quais atividades econômicas fariam jus aos benefícios do programa, entre eles a redução a zero, pelo prazo de 60 meses, das alíquotas de IRPJ, CSLL, Contribuição PIS/Pasep e Cofins.
A exigência foi imposta a setores indicados pelo Ministério da Economia. Restaurantes, operadores turísticos e parques temáticos são alguns dos que precisariam estar em dia com o cadastro até a data de publicação da lei do Perse para aproveitar a incidência de alíquota zero.
A necessidade do Cadastur é especialmente sensível para restaurantes, cafeterias, bares e outros estabelecimentos semelhantes, porque o registro é opcional. Como sua função intrínseca é a alimentação, e não a atividade turística, fica a cargo da empresa ir atrás da inscrição.
Esse foi um dos argumentos utilizados por uma lanchonete que não tinha o registro ao entrar na Justiça. Segundo ela, a restrição imposta pelo Executivo é indevida, já que a lei não limitou os benefícios a quem estivesse regularmente inscrito. Por isso, teria direito a eles.
A demanda foi apreciada pela 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), que rejeitou os pontos levantados pela lanchonete. O relator, juiz convocado Renato Becho, disse ser “inequívoco” que a portaria não inovou, mas “disciplinou de acordo com a finalidade, conteúdo e objeto” da lei.
Por maioria, a Corte julgou que a empresa não tinha direito ao benefício. A divergência foi aberta pelo presidente da 3ª Turma, desembargador Nery Junior, vencido, para quem o Ministério da Economia não tinha poder para instituir a obrigação cadastral.
No TRF3, esta mesma questão foi alvo de julgamento na 6ª Turma. A conclusão, conforme o entendimento do relator, desembargado, foi que “se o contribuinte adere a um programa emergencial de apoio, deve submeter-se a suas regras”.
“Diante da existência de norma infralegal que expressamente disciplina em pormenores os critérios de adesão ao Perse, sem qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade aparente, descabe a invocação de princípios para se safar do cumprimento de determinações da Portaria,” resumiu di Salvo.
A 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) seguiu um voto na mesma direção proferido por outro juiz federal convocado. Segundo ele, não se pode afirmar que a norma é “desarrazoada ou desproporcional”. O magistrado entendeu que ela não excedeu o poder regulamentar, porque somente indicou critérios.
Para o advogado, “não havendo a submissão do estabelecimento aos regramentos, institutos e ações próprios do setor turístico, bem como adequações aos padrões de serviço do setor e fiscalização do Ministério do Turismo, é correto afirmar que a apelante não preenche os requisitos para a adesão ao Perse”.
As decisões citadas tramitam sob os números 5004665-29.2022.4.03.6128 (TRF3), 5024659-30.2022.4.03.6100 (TRF3) e 5014624-76.2022.4.04.7201 (TRF4), nessa mesma ordem.
Reação à exigência do Cadastur
O Tributária, não concorda com a posição adotada pelos julgados de segundo grau. Para ele, o registro no Cadastur não afeta “materialmente a natureza do serviço”.
O advogado sustentou que o cadastro para empresas e profissionais do setor de turismo é uma obrigação de natureza administrativa, não tributária. A lei do Perse, acrescentou, não condicionou o benefício à regularidade da situação perante o sistema. O critério foi a atividade desempenhada.
“O serviço não deixa de ser turístico pelo fato de o prestador não ter inscrição no Cadastur. Só quer dizer que é um prestador que está em situação irregular diante da legislação do setor. Não vejo nenhum tipo de juridicidade nessa exigência,” declarou.
O professor de Direito Tributário da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), é outro que se filia à corrente contrária à exigência do cadastro. Ele questionou a obrigatoriedade do registro e a competência do Executivo para trazer essa determinação.
“Se o legislador disse que quer beneficiar A, B, C, D e E, e quem vai regulamentar é o Ministério da Economia… Pode o Ministério da Economia dizer que só beneficiará A B e C?,” contestou Ferreira Neto. “Tenho convicção de que o Executivo não pode ir além do que o legislador já positivou.”
A reportagem também entrou em contato com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), por telefone e email, para ouvir o argumentos em relação à necessidade da inscrição no Cadastur, mas não obteve retorno até a publicação desta matéria.
Saída pelo Legislativo
O Judiciário é uma das frentes nas quais as empresas brigam para ter acesso ao Perse. No Congresso, elas pleiteiam uma reforma na legislação pela MP do Perse (MP 1.147/2022). Inicialmente pensada para incluir no escopo do programa o setor de aviação civil, ela já contempla outras atividades.
A Câmara dos Deputados aprovou no mês passado a medida provisória na forma de um substitutivo apresentado pelo relator, José Guimarães (PT-CE). O novo texto incorporou setores não especificados no texto, mas o Cadastur continua a ser uma exigência. A MP tramita agora no Senado.
O presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), defendeu a revisão da necessidade de inscrição prévia no Cadastur, “um cadastro burocrático” que “nunca foi exigido em lei”. De acordo com ele, a exigência é “uma escolha de quem ganha e quem perde”.
“[Nós] nos julgamos credores da sociedade. A conta que pagamos na pandemia foi para o bem coletivo,” afirmou Solmucci. “Então, entendemos que o Perse, antes de mais nada, é um pequeno acerto de contas da sociedade com os setores que fecharam suas portas.”
Longe de um consenso
O entendimento firmado por Tribunais não significa que a matéria está pacificada no Judiciário. Inclusive mencionou que a Abrasel conseguiu uma vitória coletiva na Justiça Federal de Belo Horizonte reconhecendo o direito de associadas do município sem a inscrição no Cadastur ao benefício fiscal.
A decisão foi proferida pelo juiz Gláucio Ferreira Maciel Gonçalves, da 12ª Vara Cível de Belo Horizonte. O magistrado considerou que o registro não pode ser exigido fora da previsão legal expressa. A sentença, contra ato coator do delegado da Receita Federal em Minas Gerais, foi dada no processo de número 1002209-93.2022.4.06.3800.
Como a controvérsia envolve legislações federais e princípios constitucionais, os advogados consultados pelo JOTA também afirmaram que ela pode chegar ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e eventualmente ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Fonte : JOTA.
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